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Humorário

(um diário de rir para não chorar)

(um diário de rir para não chorar)

Humorário

22
Jul21

"Toda a noite ..."

Humorosa

Há aquela música que canta "Inesquecível.... é o que é ... inesquecível ....."* e eu poderia substituir esta letra por "Susceptível.... é o que é... Susceptível.... é o que ela ééééééééé..." 

Estou azeda. Disseram-me isto.

Disseram-me que o meu outro lado da empatia desmedida era isto de ser susceptível, sugestionável, influenciável, manobrável, manipulável, vulnerável, impressionável e outros sinónimos que parei de pesquisar só para provar o meu ponto, que até disso já estou cansada. 

A verdade é que fiquei chateada porque isto é verdade.

Senão veja-se. Estava eu, a gerir o melhor que posso e sei os meus belos (es)pasmos continuados nos gémeos, a dormir na boa, a gerir pensamentos hipocondríacos com pensamentos super heroicos de quem já fez tudo o que podia, e por isso agora tem que esperar, e subitamente, num jantar com um amigo, ouve-o balbuciar que ele não tem andado a dormir nada e de repente, como uma gosma, entra o meu lado de auto sabotadora a relembrar-me que as minhas noites bem dormidas estavam a ser estranhas, que o normal, seria, ainda para mais com assuntos por resolver para lá dos (es)pasmos (nomeadamente, tomo a vacina do covid, tomo uma merda natural para fazer detox ao fígado depois de ter feito uma reação alérgica a um creme natural e também ele de plantinhas e o raio, quando é que vou finalmente começar a trabalhar e em quê uma vez que o meu subsídio acaba em Março do ano que vem e já estamos quase em agosto, continuo a mandar cvs? abro um negócio meu? entro mesmo pela via dos recibos verdes que para mim são tão enormes quanto um adamastor? como é que se vive esta cena de um dia de cada vez quando se é daquelas pessoas que tem uma agenda para tudo? E como é que continuo a adiar a minha vida?) e de repente... A PRIMEIRA NOITE MAL DORMIDA.

Um misto de "que se foda" e um "a culpa foi minha" tomaram-me de assalto, sempre ao som da discoteca peçonhenta do "Susceptível... é o que você é..." e no meio desta irritação, tento salvar-me a mim própria tomando um banho, abraçando a minha alma com as mãos no peito e o calor doce que me acalma quando elas lá repousam brevemente. Tem sido o meu toque, o meu "acolho-te como estás" que me tem valido.

Gradualmente nestes momentos de incerteza, dúvida e raiva, tenho procurado que a alma irrompa em minha salvação, aquela parte de mim que me acolhe com a Graça divina e me relembra sem recurso a palavras, que está tudo como deve estar.

Posto isto, claro que está que a noite passada repeti a graça (sim, a graça com g pequeno, porque pelo contrário a outra Graça tem-me bafejado bastante nos últimos tempos), e já não sabia se era do calor, da "hómidade", dos chineses ou dos vizinhos que decidiram dar início à construção da capela sistina às 6h da manhã, e acordei novamente com uma sensação de frustração de criança. Aquela sensação de quem quer comer gelados o dia todo como refeição, sabe que não pode, mas faz birra mesmo assim.

Ontem terminei o dia com aceitação e tranquilidade ao lembrar-me da frase que abre o livro que mais gostei nos últimos tempos (O caminho menos percorrido de Scott Peck) - "A vida é difícil", e ainda assim hoje "acordo" a desejar que fosse fácil, como o comum dos mortais (que também sou), a praguejar que este gémeos nunca mais voltam "à normalidade", com medo da morte (como de costume...), com medo de que passe o tempo e eu não o agarre nesta viagem de regresso a mim.

Sinto-me tão a cheirar-me, a quase-chegar-a-um-bocadinho-mais-Eu, que não queria perecer agora, não agora que estou tão perto de mim, tão quase-a-chegar-me, quase-lá, não quero quase-lá-chegar, quero viver o tempo suficiente em Graça, ou com pequenos momentos de Graça que me convençam que estou no Caminho, seja do bem-estar, seja da paz-que-quero-ter-quando-morrer.

Se por um lado saber que vou morrer me acelera esta urgência do Hoje, por outro lado angustia-me com a previsão de um amanhã que desconheço. 

Faço birras de criança porque queria que as decisões fossem mais fáceis, mais preto ou branco, mais isto ou aquilo, mais como as lentes dopadas que eu uso e que me faziam crer que o mundo funcionava de forma binária. Mas não. Tenho vindo a descobri-lo num espetro de escolhas sarapintadas por cores num degradé que nem sequer é perfeito, tal como a vida, e ainda assim perfeito na sua imperfeição de ter tanto dentro de si invisível a alguns olhos.

Encontro-me com a leveza numa música que toca, um piano que acolhe por dentro esta dor-de-ser, esta tentativa de viver-para-além-da-dor-da-existência, nesta leveza que tanto me caracteriza e que leva pessoas a reagirem por perto, como o senhor que me mudou o contador de gás ontem, dizendo que "era preciso mais pessoas assim bem dispostas como a senhora, anda tudo tão para baixo", este mesmo senhor, que sendo mais velho que o meu pai, me dizia que não sabia escrever a palavra "dígito" e eu, com a humildade, cuidado e carinho que tenho pelo processo de ensino que me sustenta como pessoa, lhe soletrei letra por letra, num processo cuidadoso e amoroso de quem ajuda a elevar o outro, como só a minha alma me grita para fazer. Esses são os momentos em que não duvido, em que a convicção é tanta, que eu sei que só posso fazer isso. Isso e os momentos em que ajudo ocasionalmente desconhecidos a pagar as suas compras, pagando eu em cartão, porque naquela caixa não lhe era permitido o pagamento em dinheiro, ou indico onde está o caldo knorr mesmo não sendo empregada da loja... 

Nada disto me retira, tudo me acrescenta.

E aí não tenho dúvidas. Essa é a minha convicção. Mas e se eu não puder fazer disso um trabalho? Mas e se eu não encontrar esse(s) espaço(s) que me acolham e que seja(m) espaço(s) que não me acossem ou expulsem? 

E depois vem-me a frase da susceptibilidade que foi acompanhada por uma ainda melhor, e tão ou mais verdadeira do que a anterior: "Quando ressoas com o outro e com as suas necessidades de forma quase automática levas deles o melhor mas o pior também. E olha que vem muita merda."

Susceptível ou não a estas palavras, fiquei sem saber como poderia resolver este problema de ressonância, e com as minhas lentes preto-e-branco, tive o instinto de passar ao polo oposto de deixar de ajudar, ensinar, envolver-me com, dinamizar, provocar o outro, na esperança de não ser contaminada com o seu lodo, já que já tenho o meu a sobrar e por vezes a extravasar.

Mas rapidamente percebi que talvez seja algo que não posso mesmo abdicar, porque poucas foram as coisas que gritaram tanto por mim como esta de me envolver no outro na tentativa de uma fusão primordial com o lugar-de-onde-todos-viemos. Há mais metafísica nisto do que só caminho a percorrer. Talvez até um destino, ou um lugar-que-preciso-de-ocupar nesta nova vez que me fiz consciência. 

Como poderão perceber meus senhores, os meus serões de conversa com o meu pensamento são qual temática da revista TVMAIS ou TVGUIA.... De um cor-de-rosa místico à procura das verdades no seio das mentiras que diariamente todos contamos uns aos outros.

Em resumo, agora que tenho cada vez mais a consciência de que vou morrer, que não controlo quando acontecerá, que não sei como será, que hoje estou aqui e amanhã posso não estar, há coisas pelas quais não quero ter que voltar a compactuar, como ter que voltar a um trabalho-subsistência-que-me-mate-lentamente, ou relações desapaixonadas que me extingam a chama que me alumia nesta terra, ou dores e doenças que talvez consiga retardar com auto-cuidado e auto-amor. Quero muito viver perto de mim. Numa relação comigo. E essa relação só é possível se for curiosa, apaixonada e criativa. Enfim... 

O tumulto voltou ao meu peito. E aqui dançou ao som do Toy - "Toda a noite.... toda a noite..."

 

___

* Referências musicais abaixo:

 

 

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