Dizem que às vezes precisamos de nos afastar para depois podermos ver melhor o que precisamos para nós. E eu preciso de escrever como de pão para a boca. Correndo o risco de vos aborrecer novamente com crises de ansiedade e outras coisas que tais, venho por este meio partilhar convosco a minha realidade 3.0, já atualizada, em que essas crises tomaram agora o revestimento daquilo que, mal e porcamente pesquisado no google se chama, crise existencial. Dizem que isto é normal num conjunto de situações tipo lista de compras nas quais eu ponho o pisco em quase tudo e portanto tenho mérito e direito de reunir as condições que se prestam à consequência que tenho nas mãozinhas, ou melhor, no cérebro, que isto ataca mais a cabeça e faz sofrer da mesma. Assim sendo, a partir de agora em vez de ter comigo aquelas preocupações altamente banais de "vai-me dar aqui a macacoa" ou "é hoje que morro aqui em frente a toda a gente", ou "vou fazer figuras ridiculas à frente desta malta toda", agora é mais "mas afinal o que é que é a vida?", "porque é que temos que morrer?", "como assim todos os dias estou a envelhecer?", "como assim não consigo agarrar os momentos que estou a viver porque o tempo é um fluxo que está sempre a correr?", "onde é que está a criança pequena que fui? para onde raio foi aquele corpo?", "e sera que se eu me distrair quando olhar ao espelho já sou velha?" e "será que vou ser mãe?" e "como é que vou por um filho no mundo sabendo que ele vai morrer um dia?", e por aí vai... Como vêem, tudo pensamentos inúteis a uma vida "normal" e funcional. Assim sendo, estou agora em processo de autocompaixão, porque pelo que li por aí, é normal que a malta passe por isto, e portanto, eu vou sobreviver, só tenho que arranjar forma de quando este emaranhado lindo de pensamentos que agora teimam em ser um dragão que me queima as entranhas, seja o ponto de partida para um belo edredon de crochet, colorido e super aconchegante. Tenho-me lembrado imenso das palavras da minha arterapeuta que nunca mais abandonaram esta cachimónia: "Andamos todos aqui aos papéis" e de facto, acho que fugimos desse facto, de mostrar isso, de sentir isso, de partilhar que na verdade, fomos postos aqui e andamos assim meio-meio, em direção a algo, umas vezes cambaleando outras saltitando, mas sem saber muito bem que raio de magia é esta que nos fez, nos faz, e nos desfaz para nos voltar a fazer num ciclo infinito de faz-desfaz-faz, numa espiral de crescimento infinita da qual nós fazemos parte, e que muito honestamente, neste momento só queria mesmo aceitar para acabar com este sofrimento torturante. É que é só rídiculo ter na cabeça a ideia de que não devíamos morrer, não devíamos envelhecer, e não devíamos ser frustrados. É irreal e faz mal. Por isso agora vou ali cagar nestes pensamentos momentaneamente, para voltar a ter uma ligeira sensação de controlo e serenidade e fingir que estou toda unida shanti shanti com o corpo e a mente no sítio, e super aceitante desta história que vou escrevendo sem saber muito bem como. Só agora percebi o outro filósofo, quanto mais aprendi e soube sobre o mundo mais concluo que na verdade nada sei. Talvez comece a tratar os dias como se eles fossem fruto da Magia. E talvez isso me ajude porque cada vez me parece que a vida está muito mais próxima disso do que de outra coisa.
Há aquela música que canta "Inesquecível.... é o que é ... inesquecível ....."* e eu poderia substituir esta letra por "Susceptível.... é o que é... Susceptível.... é o que ela ééééééééé..."
Estou azeda. Disseram-me isto.
Disseram-me que o meu outro lado da empatia desmedida era isto de ser susceptível, sugestionável, influenciável, manobrável, manipulável, vulnerável, impressionável e outros sinónimos que parei de pesquisar só para provar o meu ponto, que até disso já estou cansada.
A verdade é que fiquei chateada porque isto é verdade.
Senão veja-se. Estava eu, a gerir o melhor que posso e sei os meus belos (es)pasmos continuados nos gémeos, a dormir na boa, a gerir pensamentos hipocondríacos com pensamentos super heroicos de quem já fez tudo o que podia, e por isso agora tem que esperar, e subitamente, num jantar com um amigo, ouve-o balbuciar que ele não tem andado a dormir nada e de repente, como uma gosma, entra o meu lado de auto sabotadora a relembrar-me que as minhas noites bem dormidas estavam a ser estranhas, que o normal, seria, ainda para mais com assuntos por resolver para lá dos (es)pasmos (nomeadamente, tomo a vacina do covid, tomo uma merda natural para fazer detox ao fígado depois de ter feito uma reação alérgica a um creme natural e também ele de plantinhas e o raio, quando é que vou finalmente começar a trabalhar e em quê uma vez que o meu subsídio acaba em Março do ano que vem e já estamos quase em agosto, continuo a mandar cvs? abro um negócio meu? entro mesmo pela via dos recibos verdes que para mim são tão enormes quanto um adamastor? como é que se vive esta cena de um dia de cada vez quando se é daquelas pessoas que tem uma agenda para tudo? E como é que continuo a adiar a minha vida?) e de repente... A PRIMEIRA NOITE MAL DORMIDA.
Um misto de "que se foda" e um "a culpa foi minha" tomaram-me de assalto, sempre ao som da discoteca peçonhenta do "Susceptível... é o que você é..." e no meio desta irritação, tento salvar-me a mim própria tomando um banho, abraçando a minha alma com as mãos no peito e o calor doce que me acalma quando elas lá repousam brevemente. Tem sido o meu toque, o meu "acolho-te como estás" que me tem valido.
Gradualmente nestes momentos de incerteza, dúvida e raiva, tenho procurado que a alma irrompa em minha salvação, aquela parte de mim que me acolhe com a Graça divina e me relembra sem recurso a palavras, que está tudo como deve estar.
Posto isto, claro que está que a noite passada repeti a graça (sim, a graça com g pequeno, porque pelo contrário a outra Graça tem-me bafejado bastante nos últimos tempos), e já não sabia se era do calor, da "hómidade", dos chineses ou dos vizinhos que decidiram dar início à construção da capela sistina às 6h da manhã, e acordei novamente com uma sensação de frustração de criança. Aquela sensação de quem quer comer gelados o dia todo como refeição, sabe que não pode, mas faz birra mesmo assim.
Ontem terminei o dia com aceitação e tranquilidade ao lembrar-me da frase que abre o livro que mais gostei nos últimos tempos (O caminho menos percorrido de Scott Peck) - "A vida é difícil", e ainda assim hoje "acordo" a desejar que fosse fácil, como o comum dos mortais (que também sou), a praguejar que este gémeos nunca mais voltam "à normalidade", com medo da morte (como de costume...), com medo de que passe o tempo e eu não o agarre nesta viagem de regresso a mim.
Sinto-me tão a cheirar-me, a quase-chegar-a-um-bocadinho-mais-Eu, que não queria perecer agora, não agora que estou tão perto de mim, tão quase-a-chegar-me, quase-lá, não quero quase-lá-chegar, quero viver o tempo suficiente em Graça, ou com pequenos momentos de Graça que me convençam que estou no Caminho, seja do bem-estar, seja da paz-que-quero-ter-quando-morrer.
Se por um lado saber que vou morrer me acelera esta urgência do Hoje, por outro lado angustia-me com a previsão de um amanhã que desconheço.
Faço birras de criança porque queria que as decisões fossem mais fáceis, mais preto ou branco, mais isto ou aquilo, mais como as lentes dopadas que eu uso e que me faziam crer que o mundo funcionava de forma binária. Mas não. Tenho vindo a descobri-lo num espetro de escolhas sarapintadas por cores num degradé que nem sequer é perfeito, tal como a vida, e ainda assim perfeito na sua imperfeição de ter tanto dentro de si invisível a alguns olhos.
Encontro-me com a leveza numa música que toca, um piano que acolhe por dentro esta dor-de-ser, esta tentativa de viver-para-além-da-dor-da-existência, nesta leveza que tanto me caracteriza e que leva pessoas a reagirem por perto, como o senhor que me mudou o contador de gás ontem, dizendo que "era preciso mais pessoas assim bem dispostas como a senhora, anda tudo tão para baixo", este mesmo senhor, que sendo mais velho que o meu pai, me dizia que não sabia escrever a palavra "dígito" e eu, com a humildade, cuidado e carinho que tenho pelo processo de ensino que me sustenta como pessoa, lhe soletrei letra por letra, num processo cuidadoso e amoroso de quem ajuda a elevar o outro, como só a minha alma me grita para fazer. Esses são os momentos em que não duvido, em que a convicção é tanta, que eu sei que só posso fazer isso. Isso e os momentos em que ajudo ocasionalmente desconhecidos a pagar as suas compras, pagando eu em cartão, porque naquela caixa não lhe era permitido o pagamento em dinheiro, ou indico onde está o caldo knorr mesmo não sendo empregada da loja...
Nada disto me retira, tudo me acrescenta.
E aí não tenho dúvidas. Essa é a minha convicção. Mas e se eu não puder fazer disso um trabalho? Mas e se eu não encontrar esse(s) espaço(s) que me acolham e que seja(m) espaço(s) que não me acossem ou expulsem?
E depois vem-me a frase da susceptibilidade que foi acompanhada por uma ainda melhor, e tão ou mais verdadeira do que a anterior: "Quando ressoas com o outro e com as suas necessidades de forma quase automática levas deles o melhor mas o pior também. E olha que vem muita merda."
Susceptível ou não a estas palavras, fiquei sem saber como poderia resolver este problema de ressonância, e com as minhas lentes preto-e-branco, tive o instinto de passar ao polo oposto de deixar de ajudar, ensinar, envolver-me com, dinamizar, provocar o outro, na esperança de não ser contaminada com o seu lodo, já que já tenho o meu a sobrar e por vezes a extravasar.
Mas rapidamente percebi que talvez seja algo que não posso mesmo abdicar, porque poucas foram as coisas que gritaram tanto por mim como esta de me envolver no outro na tentativa de uma fusão primordial com o lugar-de-onde-todos-viemos. Há mais metafísica nisto do que só caminho a percorrer. Talvez até um destino, ou um lugar-que-preciso-de-ocupar nesta nova vez que me fiz consciência.
Como poderão perceber meus senhores, os meus serões de conversa com o meu pensamento são qual temática da revista TVMAIS ou TVGUIA.... De um cor-de-rosa místico à procura das verdades no seio das mentiras que diariamente todos contamos uns aos outros.
Em resumo, agora que tenho cada vez mais a consciência de que vou morrer, que não controlo quando acontecerá, que não sei como será, que hoje estou aqui e amanhã posso não estar, há coisas pelas quais não quero ter que voltar a compactuar, como ter que voltar a um trabalho-subsistência-que-me-mate-lentamente, ou relações desapaixonadas que me extingam a chama que me alumia nesta terra, ou dores e doenças que talvez consiga retardar com auto-cuidado e auto-amor. Quero muito viver perto de mim. Numa relação comigo. E essa relação só é possível se for curiosa, apaixonada e criativa. Enfim...
O tumulto voltou ao meu peito. E aqui dançou ao som do Toy - "Toda a noite.... toda a noite..."
Tudo me parece tão leve, tão perene, tão intocável,
É como se o momento presente se consumisse numa memória em instantes,
E o momento futuro fosse sempre feito de um desastre-quase-certo-a-acontecer.
Tenho medo. Ando cheia dele. Até às pontinhas dos cabelos.
E passo os dias a viver como se tivesse óculos da google,
que a todo o tempo me mostram o meu maior medo: MORRER AGORA.
E de repente passo todos os instantes a cismar que posso morrer a qualquer momento,
(porque há uma voz interna que diz que posso mesmo e bom, a ciência diz o mesmo),
(Eu bem tento lidar com esse pensamento sempre que ele aparece com a música do "AH AH AH STAYING ALIIIIIIIVEEEEEEE" "Still here" "Desfruta!!! Cheira, delicia-te, ouve, vê, toca"... acho que ainda não funciona bem. Tenho que repetir mais vezes)
E de repente porque a minha agonia se cola a esse pensamento,
Vivo, experiencio, e deleito-me com a vida numa qualidade de brinquedo da loja do chinês: serve, usa-se mas sabemos que se olharmos bem aquilo vem com um defeitozinho qualquer e/ou quiçá tenderá a partir brevemente.
Enfim, réplica do que poderia ter sido uma experiência de qualidade vá.
E é aí que me encontro presa - numa vida com pensamentos que me constringe o sentir num clepe plimavera.
E a merda toda é que como hoje fiz o turno da noite, não consigo ser mais humorosa que isto,
E há assim uma pequena frustração que fica por não estar a conseguir sair da bolha,
Uma impaciência de quem queria que tudo isto se resolvesse,
E que honestamente gostaria de acreditar que tinha curado a Alice para sempre.
(A Alice é aquela gaja apressada que acelera o relógio do Coelho e que vive no país das maravilhas... ou para o comum dos mortais - a minha Ansiedade)
Sinto agora que a meti debaixo do tapete,
Que me achei dona e senhora, rainha de um reinado que a expulsava das minhas terras,
E agora percebo que talvez a melhor abordagem seja a cooperativa (não tivesse eu hoje ido provar sidras ao Bombarral).
Isso e a aceitação de que este pacotinho traumático veio com a je, proveio da história de vida da je, e há uma parte que é chance (esta de ter provindo da história da je), e outra que é escolha... Aquela que faço todos os dias para tentar continuar com amor a propagar o que tenho vindo a sentir que sou - o sorriso fácil, o apoio ao outro, a palavra carinhosa, o cuidado em ensinar e partilhar palavras e conhecimentos úteis, em suma, uma pequena nerdzinha dos life hacks da vida que adoraria ter assim um Mestre Japonês a dizer-lhe os segredinhos de como conviver com uma mente tão elaborada como a sua.
E de repente lembro-me de um Mago que me perguntou se abdicaria de sentir tudo e ver tudo como sinto, só para encaixar mais no ram ram da sociedade, e eu a cada dia que passa, apesar de a decisão carregar consigo também dor, sei bem no meu íntimo que não.
E que um dia, ou em vários dias por breves momentos, vou estar tão apaixonada pela vida como ela é,como já estive, que o deslumbramento vai engolir de uma vez por todas o medo e eu vou aceitar que o Instante que sou, em si, foi, é, e será o tempo que tiver que ser, aquilo que eu tinha mesmo que viver. A minha parte aqui no mundo. O que tinha que fazer. E o que tem que ser, tem muita muita força.
Ontem, num processo de escrita violenta como vómito entendi uma coisa essencial sobre mim.
Em primeiro lugar tive vergonha, depois fiquei triste, depois percebi que talvez tivesse extraído mais um pedaço de mim que me daria luz sobre as sensações desafiantes dos últimos tempos.
Tenho sido o corpo aberto para análise e a minha médica legista. E o mais bonito é que não estou morta. Mas por vezes o meu medo de morrer funde-se com a sensação de morte lenta, de mais-um-dia-igual-aos-outros que agora, por falta de energia ou força (sei lá eu) parece que não estou a conseguir transmutar.
Foi como se no início a raiva que tinha de tudo isto me estar a acontecer (leia-se pandemia, ajustes na relação, perda de emprego, quedas e questões de saúde) me empurrasse contra um batalhão de bárbaros qual Ásterix e Óbelix e começasse a desancar tudo à chapada...
... mas eu avançava.
Ou eu sentia que avançava.
Agora quando acordo numa casa que não é minha, por muito que tente relembrar-me que a única casa que é minha e que é fixa é o meu corpo, é como se me faltasse a minha raiz, as minhas conquistas, os meus sucessos, os meus afazeres, aquela pressãozinha boa que me ajuda a sentir todos os dias que vou conquistar o mundo.
Agora parece que meteram a cassete em slow motion e os dias são feitos de um arrastar de pés, de um cansaço corporal que não sei de onde apareceu (mesmo que racionalmente me lembre que dou 8 horas de aulas de yoga), e de uma sensação de que estou a repetir o ano, olhando para a mesma pessoa vezes sem conta, sem conseguir olhá-la com novidade e magia por demasiada exposição diária mesmo que saia de casa vezes sem conta para regressar depois numa tentativa de olhar e pensar "E agora? Já te acho novamente mágico? Brilhante? Misterioso?Sedutor?" e depois percebo que vejo baço, esfrego os olhos e entrego-me à sensação de... sim, está baço. E talvez a culpa não seja dele, nem minha, seja de ambos, seja do mundo, seja sei lá do quê. Dos chineses talvez?! ahah
Mas não quero fugir com o cu à seringa. O tema que se quer trazer à luz do mundo para que se queime, tal como os vampiros quando se assomam à luz do dia é que EU SOU UMA MENINA EXTREMAMENTE MIMADA QUE QUER QUE O MUNDO GIRE À SUA VOLTA E QUE TODOS LHE SATISFAÇAM AS NECESSIDADES TODAS E NÃO TOLERA A FRUSTRAÇÃO QUANDO AS COISAS NÃO LHE CORREM COMO ELA QUER.
Algures numa das vezes que decidi fazer o meu mapa astral havia uma parte que dizia assim:
"You have an internal struggle between your needs and your wants."
E eu fiquei... foda-se. Não é que é mesmo?
Porque aqui a gaja sabe sempre o que quer, mas será que é disso que necessita?
Cheira-me que vou andar a minha vidinha toda à procura desta resposta....
Desta e da mítica:
"QUAL É A MEDIDA CERTA PARA AS COISAS CARALHO?"
E pronto, aos 32 anos descubro que na verdade continuo uma criancinha birrenta com o gelado que acabou de comprar e que lhe caiu no chão no momento em que ia começar a lamber, e que não consegue ver que pode decidir ver que o gelado caiu por um propósito maior como por exemplo não ficar com cáries nos dentes... O que explica o investimento enormérrimo que durante a vida adulta tenho vindo a fazer em dentistas.