Do meu interior nos dias últimos
Como é minhas pessoas assíduas que perceberam que aqui a gaja andou fora do boteco tempo a mais e agora se vem neste preciso momento redimir da sua ausência?
Podia ser bom sinal, sinal de que já tinha encontrado O trabalho. E note-se que me refiro a ele como O trabalho porque tenho feito O esforço de O encontrar e honestamente já começava a ficar na hora de me cruzar com ele.
Tem sido quase uma odisseia ao estilo do Tinder, em que honestamente os sentimentos envolvidos são muito parecidos. Swipe left, swipe left, olha este parece giro - começa a falar sobre vestir a camisola e as horas que temos que dar do corpo ao trabalho ... nop, next, swipe left, swipe left, puta que pariu mas será que não há trabalhos decentes e interessantes a serem divulgados?
(atendo o telefone)
Sim, sim, é a própria. Entrevista? Claro. Empresa X (murmuro um sim como quem dá a entender que se lembra de ter mandado para lá o CV mas não faz puto ideia nesta fase do campeonato se mandou, se entregou em mãos, se mandou entregar, se foi um senhor do uber eats...). Ah então foi porque fui referenciada que vocês gostam mais de ter pessoas referenciadas (para não se portarem aparentemente tão mal por vergonha alheia né) do que fazer todo o processo de tentar CONHECER as pessoas. Pois claro. Ah e então é por isso que não existia anúncio(s de jeito). Pois sim sim, vamos agendar.
(desligo o telefone)
Penso para com os meus botões como já sinto que neste momento me parece que me estou a prostituir, deixando à vista os meus melhores atributos, numa tentativa de "olhem-me para este PAR... de ideias geniais que tenho neste meu cérebro super ativo e que só queria uma casinha fixe para lhe darem espaço para fazer coisas giras".
Mas o problema é que ao fim de quase 6 meses (que na verdade são 18, porque eu ando à procura desde Março do ano passado quando estava empregada e a ver que "isso ia dar merdaaaaaa... isso ia dar merda.... e deuuuu"* neste momento até os pedidos de exercícios dinâmicos e cenas fixes que eu tenho tanta pica para fazer já me parecem absurdos, anormais e um pedido que me tira do sério, porque de todas as vezes em que investi o meu tempo, me meti todinha todinha lá, veio de lá um "RADONDO" não, ou pior, *som de erva a rolar no deserto*, é do caralho minha gente. É do caralho. Não admira que o tempo ande tripolar, ou somos nós a dar-lhe espelho ou é culpa dele que andamos assim, sem tempo a perder para nos conhecermos mas queremos muito ser uma super equipa.
A melhor equipa. A equipa com mais liderança. Com o líder que é diferente de ser chefe, frase que me faz vomitar a cada vez que a oiço ou a vejo apregoada a uma foto pôr-do-sol num qualquer facebook ou até, pasme-se, linkedin perto de si.
Estamos numa era do PARECER. E para parecer não precisamos de ser. E quem é, está sujeito a um escrutínio, a uma carcerização, a ser convidado a ser original-mas-não-tão-alto-que-é-preciso-fazer-o-fit-nestas-quatro-paredes-pintadas-a-cin-ardosia-para-escrever-frases-inspiradoras-que-nao-usamos-mas-que-ficam-bonitas-nas-paredes-para-motivar-equipas.
Como dizia a outra "Blá blá blá Whiskas saquetas."
E quem quer fazer a revolução, como SEMPRE, historicamente, ou vai ficando de fora, ou é cauterizado, encostado para canto, começando a achar que não vai encontrar um espaço onde possa ser verdadeiro e cumprir o seu propósito. Sendo que a palavra propósito também já me dá calafrios. Que isso de propósito também é algo que podia ser melhor definido como algo que podemos fazer para maximizar o potencial da humanidade. Aí, ninguém andaria em coaching à procura do seu "propósito" porque caramba, esse propósito todos o temos, e se por ele fizermos algo já a nossa vida passou a ter um sentido e algo a que nos agarrar nesta viagem por vezes tão curta mas que temos e DEVEMOS saborear.
Ontem fui ver a exposição do Ai weiwei e foi toda ela um soco no estômago. Toda.
Para mim foi a prova de que a Liberdade de expressão, de existir com ideias próprias, continua a ser vista como uma afronta nos dias que correm e que realmente o potencial do Ser humano existe nas suas polaridades. Podemos fazer TÃO BEM, mas conseguimos fazer TÃO MAL a quem é diferente de nós, a quem nos pode fazer causar desconforto porque nos aponta para o sítio que fede, que tem problemas e que a maioria teima em não ver.
Ontem senti-me o Ai weiwei da minha família. E mais uma vez fui ao fundo do meu trauma quando falava para a minha mãe sobre a exposição e o quanto eu amei e senti que tinha que sair dali para fazer algo pelo mundo, pela humanidade, nem que fosse continuar a dar aulas de yoga porque já estou a contribuir para o bem-estar de algumas pessoas e pessoas que estão bem não têm necessidade de fazer mal. Como se quisesse sair dali a correr para continuar a fazer a minha parte, a alavancar a minha parte. A fazer o meu pedaço pelo mundo. A dar sentido ao estar Aqui e agora. E de repente do outro lado da linha, mais uma vez, como sempre faz e fez, um desvio de conversa, um ouvir tácito, implícito, como quem ouve porque faz parte, mas que não consegue ir além disso.
A minha mãe está cansada. Muito cansada. É enfermeira desde os 13 anos. É daquelas cuidadoras que põe os outros à sua frente e as suas necessidades (muitas das quais desconheço) nunca são ouvidas. Mas essa é a história dela. Se ela se empoderasse. Queria tanto mas tanto ouvir o seu grito de revolta. Talvez porque eu continuo a tentar dar o meu. A tentar fazer as pazes com o ser a "ovelha negra" da família, mas com uma certeza visceral que há ciclos que quero quebrar e não quero trazer comigo a bem da Humanidade que virá depois de mim...
Ou de mim.
Na exposição do Ai weiwei vi muitas atrocidades humanas. Lembrei-me de como Humanidade temos evoluído do breu escuro, peçonhento e podre para a luz, ou na tentativa de a alcançar, como um girassol.
E o mundo continuar a girar, contra todos os que diziam que quem girava era o Sol.
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*A música a que fiz referência é esta pérola: