Reencontrei-me com a Alice
Este fim de semana foi súbito no meu reencontro com uma amiga mesquinha que já não via como deve ser há algum tempo.
Cruzava-me com ela pontualmente, como se a visse de relance, assim de fugida, como quem cumprimenta o vizinho que encontra quando vai ao pão.
De vez em quando, como bem mesquinha que ela é, tentava aparecer e imiscuir-se demais na minha vida, quando eu a estava ocupada a viver. Queria roubar-me tempo, espaço, e sabor. Sim sim, que ela queria saber todas as receitas dos doces da minha vida. Ela era tão amarga que se alimentava de me roubar as receitas dos meus doces deleite(s).
Sempre lhe fugi toda a vida desde que a encontrei pela primeira vez aos dezassete anos naquele dia em que parecia que ela me ia levar com ela "para lá de Bagdad".
Depois aprendi que fugir dela era pior, porque quando mais fugia, mais ela vinha no meu encalço, não fosse ela uma parte da minha sombra. Comecei a aprender a conviver com a vizinha Alice, na esquina do meu ser, uns dias melhor, outros dias pior, outros sem saber como lidar com ela...
Convivi sozinha no meu mundo com a Alice durante três anos e parece-me agora quando olho para trás que foi mais fácil conviver com ela quando não tinha pessoas a esperarem nada de mim, do que agora.
Ontem, dia da mãe, reencontrei-me com a Alice em casa dos meus pais.
Começou por me fazer cócegas nos pés deixando-os a pulsar, depois começou a apertar-me as pernas começando a deixar-me uma sensação de não ter força para as manter em pé se não contraísse as coxas, depois apertou-me o estômago, a mente, e fez-me comer sem prazer, sem orientação e sem escolher o que metia à boca.
A Alice sempre foi maravilhosa a obrigar-me a fazer coisas que não devia, que não queria, e que não me são úteis.
É uma magia que ela tem, um encanto sufocador de quem não pode olhar para a vida sem a ver a ela primeiro, em tudo. É uma egocêntrica. Sempre foi. Quer a minha atenção por inteiro, quer o meu corpo por inteiro, e da minha mente não se ficaria por metade.
Como tentei não lhe falar, porque agora já sou uma gaja que impõe limites, ela quis deitar-se comigo.
Desatou aos abanões às minhas pernas, como uma pequena birrenta criança que me puxa para brincar mesmo que eu não queira, agitou-me os braços, o coração que pulsava na mais pequenina veia do meu ser, embrulhou-me o estômago em papel de jornal numa pasta indiferenciada de coisas digeridas e por digerir, e deitou-se comigo...
... e não me deixou dormir.