Paciência
O céu acordou zangado e triste. Rosnou feroz, dissipou-se, deixou o sol espreitar e voltou a fazer-se bruma. Trago no peito o espelho que aponta para o céu de hoje. Nele acontece tudo à imagem e semelhança do Grande Rio Celeste. O que está fora espelha o que está dentro. E não poderia ser de outro modo. Pedi ajuda à Voz Superior muda para que o meu peito pudesse dizer-me a verdade e nada mais que a verdade. Quero apressar essa verdade como quem quer que chova para que as barragens encham de uma vez. Este pinga pinga está a deixar marcas indeléveis nas paredes, como pinturas rupestres que ao fim de anos mil ainda cá estarão de tanto toca e foge, de tanto ir e vir, de tanto vai não vai. Pedi ajuda à Mãe Natureza. Quis hoje replicá-la enquanto ser criador e como homenagem gostaria de lhe ter oferecido um filho seu na totalidade. Não o consegui parir de uma vez. Foi a segunda vez e ainda assim não o pari por inteiro. Nem mesmo trabalhando com paciência, tempo e mais Paciência. Não ficou terminado. Não era o tempo de nascer por completo. Não era o tempo de nascer e pronto. Apressei-o, como apresso o meu peito a cuspir-me esta vontade de parar com os erros e falhas e desilusões. Mas "o erro não é desculpa para não tentar outra vez". E fico assim, de perna aberta, em cima da mesa de operações com a criança meio dentro, meio de fora, numa agonia que só qualquer mãe suportaria por Natureza, e desespero. Só queria que saísses já. Só queria cortar a dor pela raíz de uma vez por todas.