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Humorário

(um diário de rir para não chorar)

(um diário de rir para não chorar)

Humorário

16
Mar22

Tenho palavras a rebentar-me o peito

Humorosa

Palavras que levam consigo a desilusão, a frustração e a minha tão fiel companheira - a raiva. E de repente a pressa e a urgência. De repente a ansiedade e a confusão. E de repente a mudança ao virar da esquina. O imprevisto. O imprevisível. E eu sempre feita artista de circo a tentar adaptar-me convenientemente e se possível sem dor ao novo fluxo do rio que agora desvia, e que agora corre de outro modo, que nem sei para onde corre, nem sei se vai correr para onde quero que corra, nem sei sequer se passará a correr ao contrário. Lá fora a poeira deixa barro em pó em cima de tudo quanto existe. Talvez nos esteja a convidar a ser mais moldáveis, mais flexíveis, mais adaptáveis. Mas nem isso nos facilita esse Grande Rio, porque se queres fazer desse pó barro, tens que mexer o cu e juntar-lhe água. Nunca nada vem assim, de graça. É como os almoços. Pagam-se sempre não é? E a assistir a esta jigajoga contemporânea fico eu, a olhar com ar confuso e a coçar a cabeça, sem saber se estou sã ou se já sou um zombie como todos os que me parecem rodear. Sinto o cheiro de caos no ar e o meu corpo retesa-se a antecipar a guerra que já começou, de novo. Lá vamos nós empurrar a pedra rolante montanha acima. Bora Sísifo, tás comigo, eu tou contigo puto!

13
Mar22

Dias

Humorosa

Ontem foi um dia chuvoso. Choveu de manhã à noitinha e o nevoeiro instalou-se no meu peito. Precisava de deitar cá para fora tudo o que sentia. Precisava de ficasse claro o meu desapontamento, a minha angústia, a minha sensação de exaspero, de quase não conseguir mais esticar o meu elástico-coração. Voltámos à encruzilhada do costume. Voltámos aquele lugar de onde saímos algumas vezes mas sem resolução definitiva. E ontem em desespero só queria uma resolução. Já estava na baía do despeito, no limiar do masoquismo de preferir que doesse tudo agora. O caos tinha-se instalado de novo e por isso eu só queria fugir. Eu que sempre lutei, só queria fugir. Fugir desta dor que há-de-vir, desta previsão de caos instalado, destas incertezas-alterações-mudanças. Estou alerta. Estou alerta em todas as áreas da minha vida e eu só queria poder estar tranquila. Poder desfrutar das pequenas conquistas com espaço, com doçura, e não atropelando os espaços para os poder e obrigar a sentir. Depois da tempestade veio o dia de hoje, cinzento com sol, quente com frio, embaraçoso e confortável. Um dia meio-meio, um espaço-tempo indefinido, e mais um dia diferente, mas ainda assim tão parecido a tantos outros desta amálgama de meses que temos vindo a passar juntos. A ligação está a perder-se. E eu não queria nada. Só não sei se é medo, se é ainda amor ou que dele resta. E queria tanto acelerar o processo para descobrir. Para não ter que andar de peso no peito a carregar sorrisos felizes a outros e a envolvê-los nos meus processos e paixões. Tenho tantas saudades de ter um grupo de amigos. De não ter que ser sempre eu a ter ideias sobre onde ir, o que fazer e que brincadeiras fazer. Levem-me. Obriguem-me. Forcem-me a descobrir novas cores, texturas, sabores, mesmo que eu fique contrariada. De repente tenho saudades dos tempos em que pouco ou nada decidia mas que por passivamente aceitar era arrastada para sítios onde nunca teria estado se assim não fosse. Hoje esses sítios são meus. E hoje gosto deles. E todos trabalhamos uns para os outros, todos trabalhamos uns com os outros, desenvolvendo-nos na relação com eles, e todos saímos melhores, Maiores.

Hoje foi um dia-entre-os-dias diferente e ao mesmo tempo igual. Um dia de lugares conhecidos, lugares conforto, que apesar da minha irrequieta impaciência não pude negar. Tentei desfrutar deles o melhor possível, tentei sentir-me grata pela variedade dentro da normalidade de outrora. E voltei a sentir o quão difícil por vezes é ser eu. Pareço sempre a impaciência-furacão da rotina, e quando ela se abate sobre mim é como se o adamastor me abraçasse com a sua bocarra enorme e me enviasse para o fundo da terra, num lugar sombrio onde os dias parecem ser apenas tic tacs de relógios. A cabeça que tenho hoje está baça, os olhos doridos, o corpo meio enrolado numa falta de energia que já deu o que tinha a dar. E no fundo do meu peito a minha criança grita: Porquê é que tem que ser tão complicado sempre? Não gosto que doa. Não quero que doa. Quero o meu unicórnio de volta! A minha fada! O meu jardim mágico e secreto onde tudo corre bem. E eu, grande, a Adulta, olho-a nos olhos como posso, com as feridas abertas que tenho, e abraço-a apertadinha segredando-lhe ao ouvido: "Eu estou aqui. Está tudo bem."

E de mãos no coração continuarei a seguir. 

(E a vida continuará também a empurrar-me nas suas surpresas)

Tentarei confiar mais.

11
Mar22

Agarro-me a mim

Humorosa

Agarro-me a mim como quem se agarra à vida. Tento fazer o que preciso para ser e estar feliz. Luto por isso, procuro isso, tento aprender mais sobre isso. Ligo-me à vida através das minhas paixões. Estar entre pessoas, rodear-me de conhecimento sobre elas, sobre mim, sobre o cérebro, sobre as nossas interações. Quero desesperadamente juntar as peças soltas do manual de instruções do organismo em que vim à vida, para entender como tirar melhor partido delas, e não descobrir só passado algum tempo que o botão que uso habitualmente para tirar o meu descafeinado longo não foi dimensionado para longos mas sim para tisanas. Só para isso. Para saber como ser melhor eu. Como viver esta vida, experienciá-la e retirar o maior partido das suas vivências e aprendizagens. Recordo aqueles momentos em que o ar me faltou pela loucura bravia no peito do desafio de todas as crenças e perigos. Inconstante fui. Mas vivi. Vivi momentos que guardarei para sempre e reviverei para sempre na memória. Entreguei-me ao caos, procuro agora a paz. Procuro fazer com que todos os dias valham a pena. E queria tanto partilhar-me com o mundo, com os outros, chegar aos outros, impactá-los, permitir-me partilhar as minhas vivências e experiência com os outros, de forma a que sinta que ela foi ou virá a ser útil a outro ser humano, tal como outras experiências de outros seres também o foram para mim. Quero aprender com os outros, quero estar neles, quero envolver-me neles, quero sentir-me parte. Mas de repente ninguém parece estar disponível. De repente a única coisa que vejo são vidros partidos e reflexos de algo que se aparenta com uma vida que se tenta viver no meio do caos nosso de cada dia. Estão (estamos?) todos a tentar sobreviver. Gosto de ser contaminada pela vida dos outros, pelas suas aprendizagens, pelas suas gargalhadas e dores. E gosto de me refletir neles, e de refletir sobre eles, e partilhar a minha visão sobre tudo isso com quem está ao meu lado. Dizem-me que bombardeio a minha vida e a minha vivência, e a palavra bombardear cai no meio do meu peito a lembrar-me a razão deste blog. Ante o meu espanto de agora serem coisas melhores a serem contadas fiquei surpreendida pela indisponibilidade de me acolher também a mim tal como sou. Faltam-me amigos (continuam a faltar-me). Falta-me uma voz que me fale, que me bombardeie com as suas ideias e medos, com as suas ansiedades e paixões, e segredos ocultos. Falta-me essa intimidade. De repente não me parece tê-la em lado algum. E de repente vejo que apenas a tenho comigo. Só comigo. E agarro-me a mim. Como sempre tenho feito. Porque pelo menos comigo eu sou honesta para caralho. Digo o que gosto, o que não gosto, e posso ser quem eu sou, como sou, e opinar sem ser julgada e sem ser uma bombardeira no meio de um cenário de guerra que não é comparável ao que se passa no mundo. Estamos fodidos. Estamos todos fodidos. E o pior é que todos sabemos disso mas não mexemos uma palha para fazer diferente. Eu própria começo a perder a fé. Mas raios me fodam se não hei-de levar a bandeira em riste no meu bombardeiro a lembrar que a partilha é precisa, que a confiança é possível, e que juntos somos sempre mais fortes, mais rápidos e mais ágeis. Mas tenho que me lembrar que apenas posso fazer o convite. Não posso obrigar ninguém. Ainda assim o resultado desses convites também diz muito sobre o que deverei fazer no que diz respeito ao rumo da minha vida. Não quero perder tempo e energia onde não posso ser mais. Onde não posso ser maior. Onde não me posso expandir. Que eu tenha a clareza de ver se estou a ficar presa a uma casa que não comporte o facto de eu ser larga de ossos e eu só saber crescer. Estou hoje fragmentada, estamos todos em estilhaços, mas continua a ser da nossa responsabilidade voltar a "juntar esses caquinhos e fazer um Gaudi".

07
Mar22

Voltei com indignação em riste

Humorosa

Engasguei-me ao almoço. Logo depois de ter pensado para comigo: "Finalmente um pouco de paz, a minha comida de eleição e sem o stress de andar a fugir de vespas ou abelhas." O vinagre entrou-se-me para onde nunca deveria ter entrado, e a juntar à ainda gosma pos-covidiana, um bocado de tofu triturado avulso, vi-me e desejei-me. Tossi e tossi, e cuspi no prato, e ainda tossia quando ao levantar o olhar em busca de ajuda, vi aquilo que se assemelhou a um deserto por completo - ninguém, porra, ninguém me veio ajudar, perguntar se no meio daquela tosse aflitiva eu precisava de ajuda, e eu pensei naquele momento que se fosse para morrer estupidamente engasgada eu morria. Porque na verdade só me tinha a mim. E foi o que me bastou, como tem sido nos últimos tempos esquisitos, estranhos, angustiantes e profundamente assustadores. Não sei onde estamos. Sei que nos olhamos de lado, sei que não nos encaramos, sei que passamos para trás das costas as preocupações dos outros até porque "já tenho muita coisa com que lidar", e continuamos cegos, cada vez mais cegos, para a relação de independência que queremos forçosamente reivindicar quando não essa não é de todo a realidade. No dia em que sentirmos na pele o olhar de indiferença de um médico que faz desapaixonadamente o seu trabalho, ou do pedreiro que falhou o compromisso de iniciar as obras e nem sequer avisou porque não temos que estar a justificar-nos aos outros, ou do nosso filho que olha para nós apenas como líder autocrático e por isso não sabe nem quer o calor do nosso beijo (beijo? isso é para os fracos e para as meninas!), ou quando as pessoas da tua equipa se decidem despedir e tu sabes isso não por elas, mas pela autoridade em reunião convocada de última hora à laia de uma notícia mal parida da cmtv.

Eu resisto.

Eu resisto a isto e apenas me revolto para fazer o que está escrito para mim.

Eu vou continuar a empatia, o cuidado, o afeto, a genuina preocupação com estranho que passa por mim no ikea e se senta desamparado no meio do corredor apenas para "descansar um pouco", a genuína colaboração com as associações de animais mesmo quando não tenho um, a imediata reação de procurar no meu saco de comida o que posso dar a quem me pediu diretamente "tem algo para eu comer?", ou aquele clássico de uma montra de livros a cair no chão e ajudar a senhora a apanhá-los. Não quero com isto vangloriar-me, esse não é o propósito. Quero apenas lembrar-me a mim do que faço para também não me perder. Para que tenha em vista aquilo que quero continuar a fazer: Aquilo em que acredito. E se puder influenciar apenas um pequeno terreno deixando nele um punhado de sementes que assim seja, mas não morrerei sem fazer a minha parte.

20
Set21

Quando o corpo te informa e tu não o ouves

Humorosa

A vida é difícil. 

Talvez esta frase tenha sido a melhor de todas, de todos os tempos, e que fez mais por mim do que muitos livros de auto-ajuda.

A vida é difícil lembra-me que todos os conflitos pelos quais passo são inerentes a esta condição humana de ser consciente. E, como diria o Damásio, numa adaptação humorosa da coisa, é a nossa maior benção (porque nos permite sobreviver dia após dia numa orquestração complexa de orgãos, tecidos e neurónios) e a nossa maior maldição (porque nos faz conscientes de que se a orquesta falha lá se vai a nossa integridade para o raio que a parta e deixamos de experienciar a vida tal como conhecemos - perdemos a consciência para sempre).

A vida é difícil. Não só do ponto de vista biológico porque é sempre uma tentativa de superação da entropia, mas também do ponto de vista psicológico. Vários fatores competem entre si e nós temos que ir encontrando as soluções de menor risco, as soluções suficientemente boas, porque isso de soluções perfeitas já há muito que entendi que só nos contos do Walt Disney e até aí as princesas disseram sim mais vezes do que aquilo que deviam.

E foi exatamente aí que me encontrei ontem. Num sim forçado por uma sensação de obrigação, porque se me vinha a queixar que não tinha e que tínhamos que fazer algo para ter mais, não quis ser vista como a gaja que não valoriza, que não validou o esforço e que não viu o outro, mas a verdade é que não me apetecia.

Depois de um dia em que o óleo do cabelo já me escorria pela cara porque foi dia de limpezas, ao facto de ter uma cozinha inteira para limpar e comida para fazer porque não queria deitar fora coisas que se estavam a estragar, ser interrompida nesse processo, fez-me sentir um dilema de merda. Ou ia pinar porque tinha passado o fim de semana a dizer que queria mas nunca tínhamos encontrado um momento adequado, ou então criava uma crise porque ele se esforçou e a mensagem que ia receber é que eu nem assim estaria disponível. Conclusão, pensei eu, como devem pensar milhares de mulheres, vou dar-me ao momento porque eu até tenho prazer e se calhar até saio revigorada, faço-o sentir-se bem porque me ouviu e deu algo à relação e agora aqui estou eu, às 05:23 da manhá, sem óculos, embrulhada numa manta, a escrever para colmatar as quatrocentas e vinte mil voltas que dei na cama. Lovely. 

E neste momento estou a tentar não ser dura comigo. Porque o único coro de vozes que ecoa dentro da minha cabeça é tudo menos celestial. Diria que se assemelha a um coro de mulheres brasileiras em poetry slam a lutar contra o patriarcado e a forma como ele se intromete nas nossas escolhas que deveriam ser livres. Ah mas espera, fui eu que decidi. E aí sim, começa a verdadeira chacina. A chacina que me leva de volta até casa, onde aprendi que devíamos regular as emoções dos outros muitas vezes à custa da nossa. Onde devemos fazer "comply" para que a vida seja menos conflituosa, confusa, mais vivível, menos sofrível. O meu corpo dizia terminantemente que não era uma boa ideia e eu forcei-o em prol da paz. Em prol de um dia que tinha começado meio estranho e que revelou convicções que me assustaram. Falou-se de as relações serem transacionais e de como isso "era assim". Falou-se de como se teria a certeza que se fosse eu a fazer certas coisas não as faria por comodidade. Falou-se com uma certeza tal de tantas coisas que me gerou a necessidade de fugir em direção a umas compras básicas onde me senti de novo empoderada porque me ressoou a conquista de demónios passados.

A vida é difícil.

E por muito criativa que seja, por muito reflexiva que seja, tenho momentos em que ainda não sei fazer melhor, em que, após a consequência da minha decisão, percebo que deveria ter tomado outra. E honestamente no meio de todo este caos, de não controlo, de inconstância, de sensação de que realmente controlo muito pouco, sinto-me À procura da luz a que me posso agarrar, tentando não me punir por estar a aprender, lembrando-me que fazer diferente custa e é por isso que há pouca gente a fazê-lo.

No silêncio da noite, esse silêncio poético que já não acolhia há muito, decidi não forçar mais o meu corpo. Já tinha tido esforço por hoje. Se ele me dizia que queria estar acordado, assim lhe dei esse espaço, assim o validei, assim o escolhi em detrimento de um software que às vezes quer tomar o controlo de cima para baixo, mobilizando com maior esforço e energia o corpo. Talvez essa seja a prova que ainda tenho algum caminho para estreitar entre mente e corpo. Talvez os eventos exteriores me estejam a oferecer ruído e por isso não consiga ouvir esse fluxo de água que deveria ser cristalino e estreito.

A vida é difícil.

E eu estou a tentar não me punir. Estou a tentar abraçar-me nesta falha. Neste momento em que escolhi e claramente escolhi mal. Em que tive uma consequência. Em que estou agora a lidar com isso. Num sonho aparecia-me ele a olhar para mim com a frieza que lhe senti ontem nas palavras "as relações são transacionais" e dizia-me "Já fomos mais felizes juntos não já?" e eu com lágrimas amargas na boca vindas de um peito a tremer dizia-lhe como uma criança que acaba que de descobrir que a morte existe "Já, mas ainda assim podemos fazer alguma coisa não?". Pueril. Sempre à procura de ver o lado dos unicórnios.

A vida é difícil.

Talvez devesse ir para o chapitô. Aprenderia como manter várias bolas no ar ao mesmo tempo, e a espalhar magia nos semáforos da cidade. E sorrisos também. Vejo-os sempre com uma energia verdadeiramente genuína. Invejo-os por momentos e quando posso dou-lhes sempre "valor". Seja uma moeda, seja um sorriso. Porque eles aprenderam como pôr no ar as várias bolas que a vida nos atira. Mas mais do que isso, fazem-no com leveza, com gentileza, com carinho, com amor, com uma energia pueril de quem sabe que está cá, unicamente para se conhecer nesta unicidade singular que é o nosso corpo. Talvez o sentido da vida seja interior. Seja explorar todas as potencialidades e conhecer ao pormenor o nosso único maior amante - o nosso corpo e o que ele nos permite sentir. Talvez as biografias se escrevam apenas porque existem corpos. Porque essas pessoas das biografias se decidiram a conhecer os seus corpos em interação. Porque lhes deram tempo, carinho e comprometeram-se a aprender com a enorme inteligência que ele tem. Achamos que somos nós os donos e senhores da Inteligência, mas apenas porque por uma feliz coincidência ela aconteceu dentro de nós.

[É o mesmo que me gabar de ter os peitos pequenos (peitos não, mamas!, que peito é o espaço entre elas...) quando já vim com eles. Não os escolhi. Para quê fazer bandeira disso?]

É aceitar que ela existe, que ela nos ajuda e que dela podemos desfrutar. E seguir, encosta acima, a rolar a bola, talvez numa encosta mais inclinada do que a Sísifo pensou, talvez modificando o nosso corpo nessa subida fortalecendo músculos, compreendendo o nosso interior nessa interação com o exterior. Talvez haja tanto mais nesta produção de ansiedade muitas vezes necessária e até benéfica.

A natureza funciona pela lei do menor esforço. E ainda assim a vida é difícil. Ou deveria dizer, e por isso a vida é difícil? 

O menor esforço significa aceitar à cabeça também os lugares de onde viemos, as crenças que nos fizeram crer e aceitar que a evolução é algo passivo. Por vezes penso que sim, por outras penso que não. E o mais giro que descubro é que ambas estão certas. Nesta unidade de schrodinger em que ambos os estados de vida e morte coexistem, compreendo cada vez mais (ainda que não cada vez melhor) que talvez, mesmo contra a percepção, tudo contenha em si, o que é e o seu oposto, e mais uma vez a natureza fez a coisa bem feita. De uma coisa apenas, à luz de cada singularidade que somos, o nosso sistema nervoso percepciona essa coisa de uma forma ou de outra, consoante aprendizagens anteriores, momentos presentes, enfim, uma panóplia de coisas que o corpo se encarrega de resolver e iterar dia após dia.

A vida é difícil. E neste momento é díficil não me sentir culpada por já saber tanto sobre tudo isto e ainda assim ter feito o erro crasso de, para evitar MAIS um conflito, ter cedido. E não consegui avaliar inteligentemente a minha cedência. Mas o corpo, esse que é o primeiro a ter a inteligência antes de mim, fez-me sentir com violência a violência da minha decisão. 

Sinto neste momento uma mistura de raiva muda, de um desespero amargo e uma sensação de vazio que veio de ontem para hoje, segunda feira, o dia dos inícios. E eu, para não me sentir à margem, decidi reiniciar as minhas aulas de dança. Estou fodida comigo. Ainda ontem pensava para comigo como andava a dormir tão bem, como era possível até, chegar às dez da noite e já ter sono, e o sono ser reparador. E logo hoje, dia de reinício, onde "deveria estar" repousada para dar ao corpo magia, dou-lhe isto (desculpa não te ter dado melhor). Neste momento estou entre o querer chicotear-me e o ter uma mão carinhosa que me diz para pousar o chicote. Que não faz sentido. Que o amor cura tudo. Que a única forma de aprender e reter a aprendizagem é com carinho, com meiguice, com alegria, para que esses pensamentos, tal como a carne, se reproduzam, se multipliquem, e esses sentimentos nos digam que sim, "é por aí". Nada se mantém e tudo morre se não tiver amor. Amor sob a forma de tempo, sob a forma de cuidado, sob a forma de carinho e compreensão. Sob a forma de compreensão de que a vida é difícil, de que andamos aqui todos aos papéis, a fazer o melhor que sabemos, e a sermos suficientemente bons na aprendizagem.

Sempre odiei a palavra Suficiente.

Neste momento quero, conscientemente, começar a gostar dela. Bocadinho a bocadinho, momento a momento. Porque percebo que se for suficiente, já é muito bom, e esse talvez seja o segredo para olhar para o perfecionismo nos olhos e lhe dizer que ele merece um abraço. E que não me vou punir. E que não o quero fazer. Porque já magooei demais o corpo ontem, não quero continuar a magoá-lo mais. Não é assim que se cura uma ferida.

(Eu perdoo-me por não ter ouvido o meu corpo. Eu perdoo-me por ter procurado validação. Eu perdoo-me por ter achado que aquela seria melhor forma de evitar um conflito. Eu perdoo-me por me ter entregue como no passado sem querer, apenas para cumprir com um objetivo.)

Eu perdoo-me.

 

01
Set21

Carta encriptada para o mundo só aberta com magia

Humorosa

Olá mundo, poderia eu escrever, como escrevem aqueles senhores das internetes e das programações que se já odiava começo a odiar cada vez mais. Não é um ódio verdadeiro, é um ódio de desabafo por me sentir tão diferente deles e da sua forma numérica de processar o mundo, e essa diferença me custar a possibilidade de um trabalho bem pago, sem muitas chatices e inserida numa rodinha dentada de hamster. É aquele ódio de desespero de "se eu fosse assim já tinha arranjado trabalho" que vem acompanhado por outra voz interna meio rouca e fininha que me diz ao ouvido "mas deixavas de ter uma vida, a tua. É isso que queres?". E eu aborrecendo-me com as duas, deixo-as a discutir e venho-me embora, cabisbaixa com a complexidade disto tudo. Será arranjar trabalho assim tão importante ao ponto de, por não o ter, estar cada dia que passa com mais urgência e com aquela sensação agoniante de que qualquer dia "aceito qualquer coisa" que me atropela todas as maravilhosas intenções e esforços que envidei na busca por mim, pelo que gostaria mesmo de fazer e por essa luta de dizer não às coisas que seriam mais fáceis mas não alinhadas com o meu eu e com a minha estrela de valores e o diabo a sete. Estou naquele ponto da escarpa em que se dou mais um passo caio no abismo e me transformo naqueles seres rezingões que gozam com todas as pessoas que dizem "gratidão" e "segue o teu coração" e "faz o que sentes" e tudo e tudo... 

E o mais hilariante? É que eu era/sou (?) uma dessas pessoas. Não queria nada perder esse meu lado de fascínio com uma certa ordem neste caos, a do olhar da beleza, mas da que se concretiza. À minha volta parece que a Pandora não soube fechar a puta da caixa. Tal como o casalinho que comeu a puta da maçã quando lhes tinham dito que "era melhor não". E eu sou a Pandora, sou Adão e Eva, sempre com esta mania de desobedecer mesmo que depois me sinta tremendamente mal por ser assim. É uma não aceitação de grau X na escala de Richter. É uma exaltação, é uma inquietação, inquietação, inquietação como cantava o outro.

E no meio do turbilhão, um furacão, uma lagoa em chamas abertas dentro de mim, do meu âmago, numa montanha russa com parafusos que ora se soltam ora se apertam, um fósforo a queimar que nunca mais vê o fim, e uma canseira à alentejana que só dá vontade de mandar tudo foder.

Fui de férias ao norte. Fiquei numa casa. Ou deveria dizer num labirinto de resiliência? Desde calor dos infernos, a barulhos intermináveis durante a noite, uma chaleira ao lume a fazer favas que não dava descanso aos ouvidos e luz de estádio de futebol a iluminar o colchão pequeno e colado ao chão do quarto que imobilizava o corpo como num caixão, a tensão e elefantes diários nas pequenas escolhas diárias que se tinham que fazer, foi de chegar ao dia de visitar o Siza nas suas marés de Matosinhos e perguntar-lhe onde é o ralo do Porto, que eu tinha que largar todas as águas que vinha acumulando dentro de mim.

Mas o mais irritante de tudo isto é que onde acumulei cansaços, acumulei esperanças, por cada mau houve um bom, e isso é o que me agonia neste vómito que fica preso na garganta e que se sente que está quase a sair mas nunca sai. Fosse um bebé e bolsava esta merda na hora. Mas não sou. Fica ali no vai não vai, no fala não se fala, no resolve-se não se resolve, no vamos investir, vamos ficar por aqui, é pior que o outro (que também cantava) "BAZAMOS OU FICAMOS?" E eu adicionaria o jargão-cantilena do norte, que eu devo ter sido de lá numa outra vida - CARALHO!

Tenho tantas decisões a tomar neste momento que me apetece dar uma de Nandinho (aka Fernando Pessoa) ir buscar o absinto e ver ficar a ver fadinhas verdes a mandar fodinhas nesta realidade.

Continuo chorona, rezingona, refilona, pouco crente e não quero ficar amarga. Mas puta que pariu que não tem sido nada fácil. Decisões, decisões, decisões, e pouca ação a fluir num sentido de mudar esta espiral desenhada com aquelas réguas infantis de fazer espirais. Fica bonito, mas se queremos ser nós a controlar, vai sair do eixo e fica uma linha fora do enquadramento, fora de si, fora de nós. Será que nós poderemos mesmo algum dia ser livres nas nossas escolhas?

Será que somos mesmo livres? E o que é isso do livre arbítrio quando tanta coisa dentro de nós condiciona as nossas escolhas e é quase preciso um mamute de força para nos atirarmos para fora da nossa zona de conforto de forma consistente, sem que entremos numa depressão profunda por fazermos a vida como nunca a fizemos antes e assim a mantermos?

Filosofias.

Comprei livros. Muitos livros.

Talvez a acusar cansaço dos livros do bem-estar, da moda do bem-estar onde eu quero(queria?) à força tanto entrar, de repente eu que não ligava nada à política quero entender-lhe o estado do mundo, perceber como é que chegámos a esta civilização capitalista porque espantosamente começo a querer pôr-lhe as culpas em cima e de repente entro noutro estereótipo maravilhoso de dizer que a culpa é do sistema (ahahahaha rídicula).

Viro-me para várias frentes em busca de fendas que me parecem oferecer possibilidades de saída, às vezes parece-me que já nem os meus pensamentos mágicos funcionam, e que estou presa nos limites de uma condição... Seja lá qual ela for. E perceber que se calhar questionar-me sobre ela talvez não me ajude assim tanto.

Será ridículo eu sentir-me normal quando faço compras num supermercado? Normal, normalizada, menos poeta, menos filósofa, menos rebelde, mais "enquadrada" num mundo em que me quero inserir (quase que à força), neste dilema de querer que me aceitem na diferença mas tentando ser igual? Dúvidas, dúvidas, dúvidas... Quase de certeza produto de estar ja quase há ano e meio com contactos reduzidos e digitais do ponto de vista social. Gostava de ser mosca de ressonância magnética para espreitar para dentro do meu cérebro e ver que luzes se acendem lá dentro agora. Deve estar um belo emaranhado, como os meus colares na mesa de cabeceira que ainda só não foram à tesoura porque agora sou uma pessoa muito mais "normalizada", ponderada, inteligente emocionalmente. É rídiculo chegar a um ponto em que só me apetece gozar com tudo aquilo que aprendi, que adoro aprender e que continuamente me salva a existência, essas teorias de sofrologia que até agora eu quero aprender. (Obrigada Marie. Do alto do seu avanço na história que foi a sua, continuo todos os dias a achá-la uma força da natureza e todos os dias me pergunto se já faleceu. Tenho saudades suas. De falar consigo. De olhar nos seus olhos, mesmo quando caiu diante de mim desamparada em plena aula minha e eu, socorrista mas pouco, a tentar serenar ambas as almas que olhavam para mim com alguma distância e urgência de serem acudidas e acolhidas).

Fragmento esta escrita porque é assim que me sinto. Fragmentada, com muita coisa para dizer. Sem saber a quem dizer o quê e sem saber muito bem como ligar os pontos. Como ordenar o sentir. Senti muito, tenho sentido muito, e quero continuar, quero mesmo. Mas há momentos em que constatar que a vida é tão mais complexa que o meu entendimento me fazem sentir pequena, incapaz, e sem poder (powerless), hopeless ... Mas é tão curioso porque tal como na minha relação com o trabalho por vir, como na minha relação-relação, também aqui eu tenho a justa (?) medida do equilíbrio (?) e por cada coisa boa tenho uma má, por cada pensamento de esperança tenho um de desespero, e por cada momento em que congelo com o medo da morte, vem de dentro de mim uma força de querer viver...

Ocorre-me a palavra imanência do fundo das entranhas e nem sei o que é que ela quer dizer. Vou ao priberam. Diz-me que é a Existência da causa na própria causa."imanência", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/iman%C3%AAncia [consultado em 01-09-2021]. 

(copio e ele cola-me aqui o link só para terem a certeza que lá fui! Até os dicionários estão a ficar egóicos. Não vá alguém dizer o mesmo e não citar a fonte. Como se as fontes viessem todas de sítios individuais e não fossem oceanos que correm juntos! Enfim... Continuamos a querer preservar a individualidade mas achamos que para o fazer tem que haver dela uma separação das águas que a alimentam. Só somos indíviduos em grupo. Porque se o formos sozinhos que termo de comparação teremos para dizer que somos únicos? E pronto... já me desviei de novo.)

Voltando à imanêcia. Não percebi. Talvez não tenha que perceber agora e por isso vou refrear o meu instinto normal de ir chafurdar até entender o que não entendi. Neste esforço de aceitar o fluir da vida e do seu mistério. De não tentar compreender tudo e ficar bem com isso (até me dá uma volta ao estômago, mas vou tentar... estou a tentar, a sério que estou.)

Não aguentei. Confesso que fui pesquisar mais. Dizem-me que é referente ao concreto, ao material e fico surpresa como o meu corpo me vomita palavras assim, sem eu as compreender intelectualmente mas tão acertadas no momento. Talvez o meu trabalho até aqui, aquele com que tenho gozado desde o início deste texto, me esteja a fazer regressar ao lugar onde sempre quis estar, dentro de mim, compreendendo o mundo com as vísceras, o coração e o cérebro e pondo-os todos a conversar no jardim do diálogo religioso. À procura de se religarem entre eles. À procura de me religare.

Por agora chega. Já foi tanto. Que a mensagem te chegue, como sempre, pouco laminada, pouco delapidada e com a crueza normal e confusa do meu ser, sempre com a transparência de um vitral colorido para que pelo menos te alegre a alma, ainda que pareça que apenas a vou tingir com uma coloratura do universo confusa, cáustica e embrulhada.

Aqui me tens. E aqui me encontrarás. E sei que neste momento tudo isto é encriptado para ti. És tu que me abraças e acolhes na totalidade da minha confusão. E espantosamente, devolves-me a crença na Graça, neste mistério da Fé. Na magia. No saber que isto era suposto ser assim, jargões e palavras bonitas à parte. Uma certeza latente de que pelo menos não estou só.

31
Ago21

(a voltar, lentamente, de uma imersão na realidade)

Humorosa

THE TRUELOVE
by David Whyte

There is a faith in loving fiercely
the one who is rightfully yours,
especially if you have
waited years and especially
if part of you never believed
you could deserve this
loved and beckoning hand
held out to you this way.

I am thinking of faith now
and the testaments of loneliness
and what we feel we are
worthy of in this world.

Years ago in the Hebrides,
I remember an old man
who walked every morning
on the grey stones
to the shore of baying seals,
who would press his hat
to his chest in the blustering
salt wind and say his prayer
to the turbulent Jesus
hidden in the water,

and I think of the story
of the storm and everyone
waking and seeing
the distant
yet familiar figure
far across the water
calling to them

and how we are all
preparing for that
abrupt waking,
and that calling,
and that moment
we have to say yes,
except it will
not come so grandly
so Biblically
but more subtly
and intimately in the face
of the one you know
you have to love

so that when
we finally step out of the boat
toward them, we find
everything holds
us, and everything confirms
our courage, and if you wanted
to drown you could,
but you don’t
because finally
after all this struggle
and all these years
you simply don’t want to
any more
you’ve simply had enough
of drowning
and you want to live and you
want to love and you will
walk across any territory
and any darkness
however fluid and however
dangerous to take the
one hand you know
belongs in yours.

05
Ago21

Estou numa formação do iefp

Humorosa

E não aguento.

Isto poderia ser tanto mais para todos os que aqui estão. Tanto mais!

Honestamente a única coisa que estamos a fazer é a gastar tempo, a cumprir com o ponto, a fingir presença, a morrer de corpo presente.

Sei que o mundo real é muito diferente do mundo unicorniano em que gostava de viver, e que por vezes ainda dou por mim a acreditar que existe, mas não consigo deixar de sentir paixão pela possibilidade transformacional de uma boa formação.

Uma formação que seja reeducação e mobilização da interação com as pessoas, para que elas verdadeiramente possam adquirir novas competências para sairem para o mundo melhores consigo mesmas. Mexer com elas. Deixá-las falar. Fazê-las falar. Fazê-las fazer. Interagir. Criar coesão. Criar grupo. Ser grupo. Aprender socialmente.

Isto de ter um formador a debitar lapaliçadas é doloroso para quem como eu quer, gosta e acredita que a educação tem o poder de mudar o mundo.

Sonho alto? Talvez. Mas é a minha alma que grita e agora ela já não se pode calar.

E obviamente a unica coisa que me dá alento é estar em modo parcialmente atento para ouvir pérolas com as quais poderei fazer humor mais tarde... ou daqui a mais uns dias, me aguardem!

04
Ago21

Um gémeo para cada nação

Humorosa

Gostaria muito de começar este post como o tinha idealizado hoje de manhã, quando o meu humor ainda não tinha decaído como um isótopo radioativo em fim de vida.

Adoraria escrever a maravilhosa carta de amor ao meu corpo, pedindo-lhe desculpa por todas as vezes que o maltratei, por todas as vezes em que o negligenciei e por todas as vezes me esqueci que o tinha. 

Queria pedir-lhe desculpa por todas as vezes em que o obriguei a fazer coisas que não queria, a percorrer distâncias enormes sem necessidade, a comer mais do que aquilo que precisava, a não descansar o que devia. Queria pedir-lhe desculpa por tudo isso, numa tentativa romântica, ainda que utilitarista, de ver se os meus espasmos decidiam ir assombrar outros gémeos que não os meus.

Como sou das perspectivas holísticas e integrativas sei bem que o que acontece no corpo é um grito de ajuda, mas a verdade é que me sinto uma mãe completamente inútil e incapaz de acomodar este choro que não entendo. 

Já fui a massagens de relaxamento periodicamente, já lhes dei de beber chá de camomila a rodos, em pachos como antigamente, massajei com amor e carinho, meditei, relaxei, fiz acupressão, acupuntura, comi bananas, estou a tomar ácido fólico, âmpolas que potenciam o trabalho do fígado, meditações de gratidão, escrita criativa sobre eles, desenhos criativos, enfim, todo um enorme manancial de técnicas e técniquetas e criatividades e mesmo assim, não há sentimento mais prevalente do que esta ingratidão por parte deles, que podiam simplesmente já ter decidido dar-me tranquilidade mental.

Não há nada mais irritante que é eu estar neste meio caminho, neste percurso intermédio, nesta pausa forçada, e ainda ter a sensação angustiante que posso ter para aqui uma bosta de uma doença qualquer com a qual vou ter que conviver durante o resto da vida. Sei que isto é pensamento catastrófico. Sei que isto é enviesamento. Mas puta que pariu... deixem-me dizer isto porque é isto que eu sinto. Tenho um medo enorme. São 2 meses e uns dias e eles continuam a bombar qual coluna de som em pleno woodstock. O médico diz que é ansiedade. O médico queria dar-me ansiolíticos e um relaxante muscular oral para mandar abaixo a tensão muscular. O médico quis, mas desta vez consegui verbalizar que eu não queria. Que eu não queria ficar a babar-me, com náuseas de adaptação ao medicamento, quando eu me sinto bem. Neste momento é só mau feitio, e acontece apenas por já terem passado 7 meses e eu ainda não ver um futuro profissional à vista, estar farta de conviver com as mesmas pessoas, nos mesmos sítios, no mesmo esquema casa-passa-se-dia-noite-tv-cama. FARTA sabem?

Farta desta incerteza misturada com a certeza dos dias. Um certo que me prende a uma incerteza. Uma incerteza que me prende ao certo. Uma dança e uma paralisia, ambas, em simultâneo, como o corpúsculo-onda átomo de que somos feitos. A dualidade na sua essência. A dualidade que não separa mas que parece tanto que separa.

Os dois gémeos. A separação de uma perna em cada nação. Uma nação conhecida à qual posso voltar e garantir a segurança da sobrevivência e outra nação, um quinto império que não vejo mas que intuo que existe e no qual almejo vir a cumprir o meu propósito.

Estou na jornada do herói. Em mais uma. A matar dragões. A encontrar mais sombras. A perceber que o mundo se faz nesta dança do "do nothing-do something". E a perceber que eu deixei de dançar há uns tempos e de repente tenho este convite que a vida me está a fazer para seguir a fanfarra.

É como aquele rapazinho que sabemos que gosta de nós, mas é apenas o urso fofinho, e nos convida para a dança da vida dele e nós não queríamos, vamos por cortesia, meio a medo, sem capacidade de dizer que não porque acreditamos que também não virá de lá grande mal ao mundo. Mas toda a dança é passada de olho no bonzão apetecível que dança com a sua irritantemente elegante respetiva, parecendo que nunca será areia para o nosso camião.

Não quero continuar a aceitar meias. Meias são para os pés. Quero tentar levar este processo, este caminho menos percorrido, até ao seu fim. Não sei quanto tempo vai durar. Quero ter a certeza de que sou inteligente para me colocar também limites, barreiras e não entrar numa situação insustentável.

Sinto-me só. De repente parece que os laços mais próximos me abandonaram ou que estão todos mais ocupados a viver a sua vida. Sinto falta que me perguntem "como está essa procura?" "queres ajuda?" "queres combinar para falarmos sobre isso?". De repente páro e percebo que essa pessoa sou eu. Sou sempre eu. Eu que procuro o outro, porque acho que é na relação com o outro que cresço. Olho para a minha constelação de amigos, de conhecidos, de pessoas e sinto uma pequena dor.

Como é possível que existam pessoas-estrela que não me conhecendo há tanto tempo me reconduzam mais a mim do que outras de um passado diário e frequente?

Dizem que as crises levam à reflexão. Eu sempre achei que a minha era apenas profissional. Que tonta fui. 

Como me pude esquecer que quem leva todas as personagens do que sou, quero ser, ou finjo ser, sou Eu? 

28
Jul21

POCaralho

Humorosa

Começo este texto pelo seu título e pela primeira vez não o escrevo em letras garrafais conscientemente.

Olho para ele e penso que alguém se poderia ofender, que me poderiam cortar o pio, e choro copiosamente por dentro a pensar como continuo a ficar domesticada. Como me parece que cada vez mais tenho a noção do outro, do que o outro pode pensar, de como o outro se pode ofender. De como não ser essa pessoa que invade sem dó nem piedade a bolha actimel do outro. 

E de repente lembro-me de uma conversa que tive com o meu Respetivo. Dizia-lhe que quando morrer quero ter na minha lápide escrito "Viveu alegremente a invadir as bolhas actimel dos outros." (ocorre-me agora que nunca pensei se a Actimel me patrocinaria o mármore ... oh well) e decido mudar o título do texto para ter clareza (era mesmo caralho, na sua versão agressiva que eu queria deixar escrito e não C*r#lh$ como muitas vezes temos que fazer para limpar as palavras e torná-las "instagramáveis". Ao que chegámos. Até as putas das palavras têm sempre que ser bonitas. Tal como as emoções não são sempre bonitas, para mim as palavras também não podem ser sempre rebuçados embrulhados em papel dourado transformado por um Midas qualquer (e não é o gajo das Oficinas).

(Pausa para contemplar como o meu Humor é tão meu, e mesmo que venha aqui queixar-me do meu cérebro e das suas artimanhas, continuo sempre pasmada com esta impressão digital do meu pensamento que me faz sentir única e que até sei umas coisitas... É como dizia um ex lá do passado "O teu cérebro é o teu maior dom e a tua maior desgraça". Talvez não seja exatamente assim, mas a verdade é que há verdadeiramente uma luta interna entre utilizar a consciência para a criação útil e vibrante de coisas novas e interessantes e produção de lixo radioativo que contamina o corpo por inteiro e "hacka" todos os meus sistemas de alarme fazendo-me crer que há monstros por trás da cómoda... que eu nem sequer tenho no quarto.)

Voltando ao título mal afamado e mal amado deste texto. Quer pelas almas mais sensíveis devido ao Caralho explícito no fim da palavra, quer por mim, no que toca às três letrinhas apenas do início que me dão verdadeiras dores de cabeça.

Para quem não sabe e não segue o estaminé, a minha história de vida remonta algures no tempo, a uma vivência de violência psicológica que por vezes foi física. Claramente que ainda não fiz as pazes com esta história. Dou por mim muitas vezes, quando medito, quando estou em estados mais claros da minha existência a compreender que tudo o que aconteceu foi essencial para estar aqui, mas em momentos mais mundanos da minha existência, só me ocorre um chorrilho de palavrões para insultar todos os desafios pelos quais passei e que, claramente, deixaram sequelas no meu corpo. Sempre que ele se manifesta eu tenho duas escolhas: ou odiar o que me está a acontecer, ou aceitar e tentar fazer algo com isso, avançando (normalmente com humor) na vida. Considero que mais são as vezes em que escolho a segunda opção, ainda que, nos instantes iniciais, o meu default seja mandar tudo pro caralho e fazer aquela mítica birra de querer que fosse tudo mais fácil. Ou melhor, sempre fácil, a rolar, tipo aquela manteiga perfeita que se barra na torrada acabada de fazer e que torna aquele momento poético (ou de anúncio de televisão).

Então, dessa história e desse sítio de onde vim (e que tenho tentado ver se vou aceitando...) resultou também uma enorme transferência de responsabilidade adicional. Tudo tinha que ser perfeito. Mesmo quando os adultos não o eram, eu tinha que ser. Cresci sempre assim, a achar que tinha que fazer sempre o máximo, que um dia iria conseguir melhor, e que nesse dia me iriam abraçar e dizer o quanto me amavam e gostavam de mim. Esse dia nunca chegou. Pelo menos não da forma como eu sempre idealizei. O mais tolo é que eu cresci no meio de um barómetro estragado (como eu gosto de pensar), e acredito que por isso hoje em dia tenha esta necessidade enorme de equilíbrio, e de um equilíbrio mais ponderado. 

Lá atrás no tempo tinha um par de mãos que batiam e apontavam o dedo enquanto outro par acariciava e cuidava mas me prendia a si. Claro que ainda hoje, para mim, as mãos têm esta mesma ambivalência que me trespassa, e se por um lado assim que me sinto presa quero fugir, por outro sou eu própria a minha carcereira e mudei permanentemente o sentido do meu dedo indicador para dentro. Dizem que para sobreviver copiamos os modelos dos nossos cuidadores mesmo que eles não sejam saudáveis porque precisamos deles para nos alimentar e manter vivos. Eu sei que fiz isso. Eu sei.

Hoje tento lembrar-me diariamente que não vivo em casa dos meus pais, e mais que lembrar, sentir que neste novo espaço tenho movimento e direito a ser quem sou, mas só quem passa sabe o quão intrincados ficam estes padrões dentro do umbigo, e como eles nos atacam de dentro para fora, fazendo lembrar o Venom do Spider Man. É como se o veneno que ficou em semente, quando encontra um momento mais sensível, se infiltrasse pelo umbigo e cobrisse todo o corpo numa peçonha preta que, qual fato de latex da catwoman, ainda que sensual, não nos deixa mexer sem ser em direções específicas, e normalmente direções contrárias à da seta do tempo. Andamos para trás. E aí precisamos de parar um pouco, inspirar, mandar umas caralhadas e tentar seguir adiante, neste jogo constante contra a entropia e a favor do Amor, dessa energia de evolução que tenta constantemente fazer vingar a Individualidade de cada um, e por isso a Humanidade como um todo. Se conseguirá? Não sei. Mas o Amor tenta...

E é aqui, neste ponto, tentando dar-me Amor, que venho hoje.

Venho humildemente abrir novamente o meu âmago na esperança de redenção, na esperança de que a partilha, trazer à luz os meus demónios, faça com que eles deixem de ser sombra, porque como me disse uma vez alguém com quem me partilhei à beira da estrada, "Quando ligamos a luz o escuro desaparece" e honestamente é o que quero fazer hoje aqui - Deixar o escuro desaparecer, o meu escuro.

Então, como vos dizia, há todo um conjunto de "sequelas" (adoro que nunca tenha pensado nesta palavra com teor cinematográfico como neste presente momento que vos escrevo) com que fiquei deste meu início mais agitado na tribo a que chamei casa, nomeadamente Ataques de Pânico, Transtorno de Ansiedade, Contraturas no corpo, insónias, mais recentemente estes espamos-maravilha nos gémeos (que eu escrevo aqui, na tentativa esperançada de eu me fazer acreditar que realmente são mesmo só sintomas de ansiedade e não uma doença qualquer que me vai levar antes de tempo daqui) e por fim, o que me traz aqui hoje: POC - Pensamentos Obssessivo-Compulsivos.

E o que é isto minha gente? É eu estar tranquila após um dia maravilhoso passado no meu elemento-casa e de repente fechar a porta e pensar que não posso deixar a porta aberta, mesmo depois de a ter fechado, e ter claramente e racionalmente percebido que a fechei e por essa razão começar a encetar um baile abre-e-fecha ao estilo vira do minho para ao fim da terceira vez pensar - "Já deve estar bom" e seguir a minha vidinha como se nada fosse.

Ora pois que este comportamento também se repete com a toma da pílula. Posso estar a curtir "uma gelada" quando subitamente sou assaltada pelo pensamento "Será que tomei a pílula?" e de repente todo o meu mundo passa a girar e a orbitar sobre como resolver aquele problema, fazendo uma revisão pormenorizada como se tivesse entrado na torre do tombo das minhas memórias, à procura da última sensação, emoção ou imagem que me faça ter a certeza que sim. Bem vindos ao meu mundo. Sim, é fodido por vezes.

Ontem pois então que se sucedeu? Sucedeu que ao vir para a outra casa (a do Respetivo) se me assola a dúvida assombrosa de se teria deixado a água do banho ligada! Revisitei os meus arquivos da memória qual Lara Croft ou o outro que não me lembro do nome à procura da arca perdida, e só conseguia ter ecos de algumas coisas que apesar de me descansarem, me faziam desenrolar um rol de películas de enredos de filmes apocalípticos ou pós apocalípticos onde tudo acabava em fogo, ou inundações severas e onde o meu espaço de paz, calma e conforto, ou a minha casa-atelier era totalmente destruída e não restaria o único espaço onde eu me sinto realmente em paz. (Curioso esta merda, agora escrito faz-me refletir o porquê de isto ser tão persistente. Tenho medo de ser responsável pela morte do meu espaço criativo e do meu espaço seguro, e isso seria o epítome de ser incompetente e uma falhada! Olhem que bonito...)

Penso agora se essa minha casa-atelier não será também uma mão que me acaricia e me prende ao mesmo tempo. Talvez seja um reflexo do amor condicionado que aprendi e do qual sou tantas vezes refém. Se calhar um dia vou ter que me desfazer daquele espaço ou quem sabe transformá-lo finalmente em algo mesmo meu. São tantas as ideias que me atravessam que neste momento sinto a cabeça a explodir.

Continuo a sentir-me sem direção e honestamente continuar a olhar só para o botão da Rosa à espera que ele comece a florir já me está a causar uma urticária impaciente em todo o corpo, fazendo com que ele esteja alerta, como um soldado que espera ser chamado para a formatura. Estou livre e sinto-me presa. Devia aprender com o Mandela...

E só para terminar este meu texto-lamento-trágico-cómico, vinha ontem até esta casa e pensava para comigo como Deus tem sido tão paciente em me mostrar que ele existe e que temos mesmo algo que nos liga, algo que não vemos mas que está lá - a sua Graça, e que ela nos ajuda diariamente, nos anima, nos faz sentir acompanhados. Mas eu sou tão casmurra. Sou talvez a sua pior "crente". Mesmo tendo N situações que vos poderia enumerar em que sinto a benção da sua Graça, onde vejo e sinto, e experiencio sincronicidades, é como se ainda assim continuasse tal como continuo com os POCaralhos - a duvidar de mim. Será que vi bem? Será que senti bem? Ah isto deve explicar-se. Tinha uma probabilidade mínima de acontecer por isso é que aconteceu. Devo estar a fazer histórias. De certeza que há uma probabilidade de acontecer por isso pode continuar a ser um perigo/risco. Se calhar para acreditar tem que acontecer 3 vezes. Cheguei até ao cúmulo, como bela perfecionista que sou de fazer uma lista das Graças, com data e tudo, para ter a evidência factual de que elas aconteceram efetivamente e que não, não é fruto da minha frita cabeça. (Ao que uma gaja chega.)

No fim de tudo isto, quando a angústia aperta e eu acho que não consigo fazer, dou comigo a olhar-me ao espelho e a dizer coração-na-mão que se morrer pelo caminho, pelo menos tentei...

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