Ontem foi um dia chuvoso. Choveu de manhã à noitinha e o nevoeiro instalou-se no meu peito. Precisava de deitar cá para fora tudo o que sentia. Precisava de ficasse claro o meu desapontamento, a minha angústia, a minha sensação de exaspero, de quase não conseguir mais esticar o meu elástico-coração. Voltámos à encruzilhada do costume. Voltámos aquele lugar de onde saímos algumas vezes mas sem resolução definitiva. E ontem em desespero só queria uma resolução. Já estava na baía do despeito, no limiar do masoquismo de preferir que doesse tudo agora. O caos tinha-se instalado de novo e por isso eu só queria fugir. Eu que sempre lutei, só queria fugir. Fugir desta dor que há-de-vir, desta previsão de caos instalado, destas incertezas-alterações-mudanças. Estou alerta. Estou alerta em todas as áreas da minha vida e eu só queria poder estar tranquila. Poder desfrutar das pequenas conquistas com espaço, com doçura, e não atropelando os espaços para os poder e obrigar a sentir. Depois da tempestade veio o dia de hoje, cinzento com sol, quente com frio, embaraçoso e confortável. Um dia meio-meio, um espaço-tempo indefinido, e mais um dia diferente, mas ainda assim tão parecido a tantos outros desta amálgama de meses que temos vindo a passar juntos. A ligação está a perder-se. E eu não queria nada. Só não sei se é medo, se é ainda amor ou que dele resta. E queria tanto acelerar o processo para descobrir. Para não ter que andar de peso no peito a carregar sorrisos felizes a outros e a envolvê-los nos meus processos e paixões. Tenho tantas saudades de ter um grupo de amigos. De não ter que ser sempre eu a ter ideias sobre onde ir, o que fazer e que brincadeiras fazer. Levem-me. Obriguem-me. Forcem-me a descobrir novas cores, texturas, sabores, mesmo que eu fique contrariada. De repente tenho saudades dos tempos em que pouco ou nada decidia mas que por passivamente aceitar era arrastada para sítios onde nunca teria estado se assim não fosse. Hoje esses sítios são meus. E hoje gosto deles. E todos trabalhamos uns para os outros, todos trabalhamos uns com os outros, desenvolvendo-nos na relação com eles, e todos saímos melhores, Maiores.
Hoje foi um dia-entre-os-dias diferente e ao mesmo tempo igual. Um dia de lugares conhecidos, lugares conforto, que apesar da minha irrequieta impaciência não pude negar. Tentei desfrutar deles o melhor possível, tentei sentir-me grata pela variedade dentro da normalidade de outrora. E voltei a sentir o quão difícil por vezes é ser eu. Pareço sempre a impaciência-furacão da rotina, e quando ela se abate sobre mim é como se o adamastor me abraçasse com a sua bocarra enorme e me enviasse para o fundo da terra, num lugar sombrio onde os dias parecem ser apenas tic tacs de relógios. A cabeça que tenho hoje está baça, os olhos doridos, o corpo meio enrolado numa falta de energia que já deu o que tinha a dar. E no fundo do meu peito a minha criança grita: Porquê é que tem que ser tão complicado sempre? Não gosto que doa. Não quero que doa. Quero o meu unicórnio de volta! A minha fada! O meu jardim mágico e secreto onde tudo corre bem. E eu, grande, a Adulta, olho-a nos olhos como posso, com as feridas abertas que tenho, e abraço-a apertadinha segredando-lhe ao ouvido: "Eu estou aqui. Está tudo bem."
E de mãos no coração continuarei a seguir.
(E a vida continuará também a empurrar-me nas suas surpresas)
Tentarei confiar mais.