Gostaria muito de começar este post como o tinha idealizado hoje de manhã, quando o meu humor ainda não tinha decaído como um isótopo radioativo em fim de vida.
Adoraria escrever a maravilhosa carta de amor ao meu corpo, pedindo-lhe desculpa por todas as vezes que o maltratei, por todas as vezes em que o negligenciei e por todas as vezes me esqueci que o tinha.
Queria pedir-lhe desculpa por todas as vezes em que o obriguei a fazer coisas que não queria, a percorrer distâncias enormes sem necessidade, a comer mais do que aquilo que precisava, a não descansar o que devia. Queria pedir-lhe desculpa por tudo isso, numa tentativa romântica, ainda que utilitarista, de ver se os meus espasmos decidiam ir assombrar outros gémeos que não os meus.
Como sou das perspectivas holísticas e integrativas sei bem que o que acontece no corpo é um grito de ajuda, mas a verdade é que me sinto uma mãe completamente inútil e incapaz de acomodar este choro que não entendo.
Já fui a massagens de relaxamento periodicamente, já lhes dei de beber chá de camomila a rodos, em pachos como antigamente, massajei com amor e carinho, meditei, relaxei, fiz acupressão, acupuntura, comi bananas, estou a tomar ácido fólico, âmpolas que potenciam o trabalho do fígado, meditações de gratidão, escrita criativa sobre eles, desenhos criativos, enfim, todo um enorme manancial de técnicas e técniquetas e criatividades e mesmo assim, não há sentimento mais prevalente do que esta ingratidão por parte deles, que podiam simplesmente já ter decidido dar-me tranquilidade mental.
Não há nada mais irritante que é eu estar neste meio caminho, neste percurso intermédio, nesta pausa forçada, e ainda ter a sensação angustiante que posso ter para aqui uma bosta de uma doença qualquer com a qual vou ter que conviver durante o resto da vida. Sei que isto é pensamento catastrófico. Sei que isto é enviesamento. Mas puta que pariu... deixem-me dizer isto porque é isto que eu sinto. Tenho um medo enorme. São 2 meses e uns dias e eles continuam a bombar qual coluna de som em pleno woodstock. O médico diz que é ansiedade. O médico queria dar-me ansiolíticos e um relaxante muscular oral para mandar abaixo a tensão muscular. O médico quis, mas desta vez consegui verbalizar que eu não queria. Que eu não queria ficar a babar-me, com náuseas de adaptação ao medicamento, quando eu me sinto bem. Neste momento é só mau feitio, e acontece apenas por já terem passado 7 meses e eu ainda não ver um futuro profissional à vista, estar farta de conviver com as mesmas pessoas, nos mesmos sítios, no mesmo esquema casa-passa-se-dia-noite-tv-cama. FARTA sabem?
Farta desta incerteza misturada com a certeza dos dias. Um certo que me prende a uma incerteza. Uma incerteza que me prende ao certo. Uma dança e uma paralisia, ambas, em simultâneo, como o corpúsculo-onda átomo de que somos feitos. A dualidade na sua essência. A dualidade que não separa mas que parece tanto que separa.
Os dois gémeos. A separação de uma perna em cada nação. Uma nação conhecida à qual posso voltar e garantir a segurança da sobrevivência e outra nação, um quinto império que não vejo mas que intuo que existe e no qual almejo vir a cumprir o meu propósito.
Estou na jornada do herói. Em mais uma. A matar dragões. A encontrar mais sombras. A perceber que o mundo se faz nesta dança do "do nothing-do something". E a perceber que eu deixei de dançar há uns tempos e de repente tenho este convite que a vida me está a fazer para seguir a fanfarra.
É como aquele rapazinho que sabemos que gosta de nós, mas é apenas o urso fofinho, e nos convida para a dança da vida dele e nós não queríamos, vamos por cortesia, meio a medo, sem capacidade de dizer que não porque acreditamos que também não virá de lá grande mal ao mundo. Mas toda a dança é passada de olho no bonzão apetecível que dança com a sua irritantemente elegante respetiva, parecendo que nunca será areia para o nosso camião.
Não quero continuar a aceitar meias. Meias são para os pés. Quero tentar levar este processo, este caminho menos percorrido, até ao seu fim. Não sei quanto tempo vai durar. Quero ter a certeza de que sou inteligente para me colocar também limites, barreiras e não entrar numa situação insustentável.
Sinto-me só. De repente parece que os laços mais próximos me abandonaram ou que estão todos mais ocupados a viver a sua vida. Sinto falta que me perguntem "como está essa procura?" "queres ajuda?" "queres combinar para falarmos sobre isso?". De repente páro e percebo que essa pessoa sou eu. Sou sempre eu. Eu que procuro o outro, porque acho que é na relação com o outro que cresço. Olho para a minha constelação de amigos, de conhecidos, de pessoas e sinto uma pequena dor.
Como é possível que existam pessoas-estrela que não me conhecendo há tanto tempo me reconduzam mais a mim do que outras de um passado diário e frequente?
Dizem que as crises levam à reflexão. Eu sempre achei que a minha era apenas profissional. Que tonta fui.
Como me pude esquecer que quem leva todas as personagens do que sou, quero ser, ou finjo ser, sou Eu?