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Humorário

(um diário de rir para não chorar)

(um diário de rir para não chorar)

Humorário

28
Jul21

POCaralho

Humorosa

Começo este texto pelo seu título e pela primeira vez não o escrevo em letras garrafais conscientemente.

Olho para ele e penso que alguém se poderia ofender, que me poderiam cortar o pio, e choro copiosamente por dentro a pensar como continuo a ficar domesticada. Como me parece que cada vez mais tenho a noção do outro, do que o outro pode pensar, de como o outro se pode ofender. De como não ser essa pessoa que invade sem dó nem piedade a bolha actimel do outro. 

E de repente lembro-me de uma conversa que tive com o meu Respetivo. Dizia-lhe que quando morrer quero ter na minha lápide escrito "Viveu alegremente a invadir as bolhas actimel dos outros." (ocorre-me agora que nunca pensei se a Actimel me patrocinaria o mármore ... oh well) e decido mudar o título do texto para ter clareza (era mesmo caralho, na sua versão agressiva que eu queria deixar escrito e não C*r#lh$ como muitas vezes temos que fazer para limpar as palavras e torná-las "instagramáveis". Ao que chegámos. Até as putas das palavras têm sempre que ser bonitas. Tal como as emoções não são sempre bonitas, para mim as palavras também não podem ser sempre rebuçados embrulhados em papel dourado transformado por um Midas qualquer (e não é o gajo das Oficinas).

(Pausa para contemplar como o meu Humor é tão meu, e mesmo que venha aqui queixar-me do meu cérebro e das suas artimanhas, continuo sempre pasmada com esta impressão digital do meu pensamento que me faz sentir única e que até sei umas coisitas... É como dizia um ex lá do passado "O teu cérebro é o teu maior dom e a tua maior desgraça". Talvez não seja exatamente assim, mas a verdade é que há verdadeiramente uma luta interna entre utilizar a consciência para a criação útil e vibrante de coisas novas e interessantes e produção de lixo radioativo que contamina o corpo por inteiro e "hacka" todos os meus sistemas de alarme fazendo-me crer que há monstros por trás da cómoda... que eu nem sequer tenho no quarto.)

Voltando ao título mal afamado e mal amado deste texto. Quer pelas almas mais sensíveis devido ao Caralho explícito no fim da palavra, quer por mim, no que toca às três letrinhas apenas do início que me dão verdadeiras dores de cabeça.

Para quem não sabe e não segue o estaminé, a minha história de vida remonta algures no tempo, a uma vivência de violência psicológica que por vezes foi física. Claramente que ainda não fiz as pazes com esta história. Dou por mim muitas vezes, quando medito, quando estou em estados mais claros da minha existência a compreender que tudo o que aconteceu foi essencial para estar aqui, mas em momentos mais mundanos da minha existência, só me ocorre um chorrilho de palavrões para insultar todos os desafios pelos quais passei e que, claramente, deixaram sequelas no meu corpo. Sempre que ele se manifesta eu tenho duas escolhas: ou odiar o que me está a acontecer, ou aceitar e tentar fazer algo com isso, avançando (normalmente com humor) na vida. Considero que mais são as vezes em que escolho a segunda opção, ainda que, nos instantes iniciais, o meu default seja mandar tudo pro caralho e fazer aquela mítica birra de querer que fosse tudo mais fácil. Ou melhor, sempre fácil, a rolar, tipo aquela manteiga perfeita que se barra na torrada acabada de fazer e que torna aquele momento poético (ou de anúncio de televisão).

Então, dessa história e desse sítio de onde vim (e que tenho tentado ver se vou aceitando...) resultou também uma enorme transferência de responsabilidade adicional. Tudo tinha que ser perfeito. Mesmo quando os adultos não o eram, eu tinha que ser. Cresci sempre assim, a achar que tinha que fazer sempre o máximo, que um dia iria conseguir melhor, e que nesse dia me iriam abraçar e dizer o quanto me amavam e gostavam de mim. Esse dia nunca chegou. Pelo menos não da forma como eu sempre idealizei. O mais tolo é que eu cresci no meio de um barómetro estragado (como eu gosto de pensar), e acredito que por isso hoje em dia tenha esta necessidade enorme de equilíbrio, e de um equilíbrio mais ponderado. 

Lá atrás no tempo tinha um par de mãos que batiam e apontavam o dedo enquanto outro par acariciava e cuidava mas me prendia a si. Claro que ainda hoje, para mim, as mãos têm esta mesma ambivalência que me trespassa, e se por um lado assim que me sinto presa quero fugir, por outro sou eu própria a minha carcereira e mudei permanentemente o sentido do meu dedo indicador para dentro. Dizem que para sobreviver copiamos os modelos dos nossos cuidadores mesmo que eles não sejam saudáveis porque precisamos deles para nos alimentar e manter vivos. Eu sei que fiz isso. Eu sei.

Hoje tento lembrar-me diariamente que não vivo em casa dos meus pais, e mais que lembrar, sentir que neste novo espaço tenho movimento e direito a ser quem sou, mas só quem passa sabe o quão intrincados ficam estes padrões dentro do umbigo, e como eles nos atacam de dentro para fora, fazendo lembrar o Venom do Spider Man. É como se o veneno que ficou em semente, quando encontra um momento mais sensível, se infiltrasse pelo umbigo e cobrisse todo o corpo numa peçonha preta que, qual fato de latex da catwoman, ainda que sensual, não nos deixa mexer sem ser em direções específicas, e normalmente direções contrárias à da seta do tempo. Andamos para trás. E aí precisamos de parar um pouco, inspirar, mandar umas caralhadas e tentar seguir adiante, neste jogo constante contra a entropia e a favor do Amor, dessa energia de evolução que tenta constantemente fazer vingar a Individualidade de cada um, e por isso a Humanidade como um todo. Se conseguirá? Não sei. Mas o Amor tenta...

E é aqui, neste ponto, tentando dar-me Amor, que venho hoje.

Venho humildemente abrir novamente o meu âmago na esperança de redenção, na esperança de que a partilha, trazer à luz os meus demónios, faça com que eles deixem de ser sombra, porque como me disse uma vez alguém com quem me partilhei à beira da estrada, "Quando ligamos a luz o escuro desaparece" e honestamente é o que quero fazer hoje aqui - Deixar o escuro desaparecer, o meu escuro.

Então, como vos dizia, há todo um conjunto de "sequelas" (adoro que nunca tenha pensado nesta palavra com teor cinematográfico como neste presente momento que vos escrevo) com que fiquei deste meu início mais agitado na tribo a que chamei casa, nomeadamente Ataques de Pânico, Transtorno de Ansiedade, Contraturas no corpo, insónias, mais recentemente estes espamos-maravilha nos gémeos (que eu escrevo aqui, na tentativa esperançada de eu me fazer acreditar que realmente são mesmo só sintomas de ansiedade e não uma doença qualquer que me vai levar antes de tempo daqui) e por fim, o que me traz aqui hoje: POC - Pensamentos Obssessivo-Compulsivos.

E o que é isto minha gente? É eu estar tranquila após um dia maravilhoso passado no meu elemento-casa e de repente fechar a porta e pensar que não posso deixar a porta aberta, mesmo depois de a ter fechado, e ter claramente e racionalmente percebido que a fechei e por essa razão começar a encetar um baile abre-e-fecha ao estilo vira do minho para ao fim da terceira vez pensar - "Já deve estar bom" e seguir a minha vidinha como se nada fosse.

Ora pois que este comportamento também se repete com a toma da pílula. Posso estar a curtir "uma gelada" quando subitamente sou assaltada pelo pensamento "Será que tomei a pílula?" e de repente todo o meu mundo passa a girar e a orbitar sobre como resolver aquele problema, fazendo uma revisão pormenorizada como se tivesse entrado na torre do tombo das minhas memórias, à procura da última sensação, emoção ou imagem que me faça ter a certeza que sim. Bem vindos ao meu mundo. Sim, é fodido por vezes.

Ontem pois então que se sucedeu? Sucedeu que ao vir para a outra casa (a do Respetivo) se me assola a dúvida assombrosa de se teria deixado a água do banho ligada! Revisitei os meus arquivos da memória qual Lara Croft ou o outro que não me lembro do nome à procura da arca perdida, e só conseguia ter ecos de algumas coisas que apesar de me descansarem, me faziam desenrolar um rol de películas de enredos de filmes apocalípticos ou pós apocalípticos onde tudo acabava em fogo, ou inundações severas e onde o meu espaço de paz, calma e conforto, ou a minha casa-atelier era totalmente destruída e não restaria o único espaço onde eu me sinto realmente em paz. (Curioso esta merda, agora escrito faz-me refletir o porquê de isto ser tão persistente. Tenho medo de ser responsável pela morte do meu espaço criativo e do meu espaço seguro, e isso seria o epítome de ser incompetente e uma falhada! Olhem que bonito...)

Penso agora se essa minha casa-atelier não será também uma mão que me acaricia e me prende ao mesmo tempo. Talvez seja um reflexo do amor condicionado que aprendi e do qual sou tantas vezes refém. Se calhar um dia vou ter que me desfazer daquele espaço ou quem sabe transformá-lo finalmente em algo mesmo meu. São tantas as ideias que me atravessam que neste momento sinto a cabeça a explodir.

Continuo a sentir-me sem direção e honestamente continuar a olhar só para o botão da Rosa à espera que ele comece a florir já me está a causar uma urticária impaciente em todo o corpo, fazendo com que ele esteja alerta, como um soldado que espera ser chamado para a formatura. Estou livre e sinto-me presa. Devia aprender com o Mandela...

E só para terminar este meu texto-lamento-trágico-cómico, vinha ontem até esta casa e pensava para comigo como Deus tem sido tão paciente em me mostrar que ele existe e que temos mesmo algo que nos liga, algo que não vemos mas que está lá - a sua Graça, e que ela nos ajuda diariamente, nos anima, nos faz sentir acompanhados. Mas eu sou tão casmurra. Sou talvez a sua pior "crente". Mesmo tendo N situações que vos poderia enumerar em que sinto a benção da sua Graça, onde vejo e sinto, e experiencio sincronicidades, é como se ainda assim continuasse tal como continuo com os POCaralhos - a duvidar de mim. Será que vi bem? Será que senti bem? Ah isto deve explicar-se. Tinha uma probabilidade mínima de acontecer por isso é que aconteceu. Devo estar a fazer histórias. De certeza que há uma probabilidade de acontecer por isso pode continuar a ser um perigo/risco. Se calhar para acreditar tem que acontecer 3 vezes. Cheguei até ao cúmulo, como bela perfecionista que sou de fazer uma lista das Graças, com data e tudo, para ter a evidência factual de que elas aconteceram efetivamente e que não, não é fruto da minha frita cabeça. (Ao que uma gaja chega.)

No fim de tudo isto, quando a angústia aperta e eu acho que não consigo fazer, dou comigo a olhar-me ao espelho e a dizer coração-na-mão que se morrer pelo caminho, pelo menos tentei...

22
Jul21

"Toda a noite ..."

Humorosa

Há aquela música que canta "Inesquecível.... é o que é ... inesquecível ....."* e eu poderia substituir esta letra por "Susceptível.... é o que é... Susceptível.... é o que ela ééééééééé..." 

Estou azeda. Disseram-me isto.

Disseram-me que o meu outro lado da empatia desmedida era isto de ser susceptível, sugestionável, influenciável, manobrável, manipulável, vulnerável, impressionável e outros sinónimos que parei de pesquisar só para provar o meu ponto, que até disso já estou cansada. 

A verdade é que fiquei chateada porque isto é verdade.

Senão veja-se. Estava eu, a gerir o melhor que posso e sei os meus belos (es)pasmos continuados nos gémeos, a dormir na boa, a gerir pensamentos hipocondríacos com pensamentos super heroicos de quem já fez tudo o que podia, e por isso agora tem que esperar, e subitamente, num jantar com um amigo, ouve-o balbuciar que ele não tem andado a dormir nada e de repente, como uma gosma, entra o meu lado de auto sabotadora a relembrar-me que as minhas noites bem dormidas estavam a ser estranhas, que o normal, seria, ainda para mais com assuntos por resolver para lá dos (es)pasmos (nomeadamente, tomo a vacina do covid, tomo uma merda natural para fazer detox ao fígado depois de ter feito uma reação alérgica a um creme natural e também ele de plantinhas e o raio, quando é que vou finalmente começar a trabalhar e em quê uma vez que o meu subsídio acaba em Março do ano que vem e já estamos quase em agosto, continuo a mandar cvs? abro um negócio meu? entro mesmo pela via dos recibos verdes que para mim são tão enormes quanto um adamastor? como é que se vive esta cena de um dia de cada vez quando se é daquelas pessoas que tem uma agenda para tudo? E como é que continuo a adiar a minha vida?) e de repente... A PRIMEIRA NOITE MAL DORMIDA.

Um misto de "que se foda" e um "a culpa foi minha" tomaram-me de assalto, sempre ao som da discoteca peçonhenta do "Susceptível... é o que você é..." e no meio desta irritação, tento salvar-me a mim própria tomando um banho, abraçando a minha alma com as mãos no peito e o calor doce que me acalma quando elas lá repousam brevemente. Tem sido o meu toque, o meu "acolho-te como estás" que me tem valido.

Gradualmente nestes momentos de incerteza, dúvida e raiva, tenho procurado que a alma irrompa em minha salvação, aquela parte de mim que me acolhe com a Graça divina e me relembra sem recurso a palavras, que está tudo como deve estar.

Posto isto, claro que está que a noite passada repeti a graça (sim, a graça com g pequeno, porque pelo contrário a outra Graça tem-me bafejado bastante nos últimos tempos), e já não sabia se era do calor, da "hómidade", dos chineses ou dos vizinhos que decidiram dar início à construção da capela sistina às 6h da manhã, e acordei novamente com uma sensação de frustração de criança. Aquela sensação de quem quer comer gelados o dia todo como refeição, sabe que não pode, mas faz birra mesmo assim.

Ontem terminei o dia com aceitação e tranquilidade ao lembrar-me da frase que abre o livro que mais gostei nos últimos tempos (O caminho menos percorrido de Scott Peck) - "A vida é difícil", e ainda assim hoje "acordo" a desejar que fosse fácil, como o comum dos mortais (que também sou), a praguejar que este gémeos nunca mais voltam "à normalidade", com medo da morte (como de costume...), com medo de que passe o tempo e eu não o agarre nesta viagem de regresso a mim.

Sinto-me tão a cheirar-me, a quase-chegar-a-um-bocadinho-mais-Eu, que não queria perecer agora, não agora que estou tão perto de mim, tão quase-a-chegar-me, quase-lá, não quero quase-lá-chegar, quero viver o tempo suficiente em Graça, ou com pequenos momentos de Graça que me convençam que estou no Caminho, seja do bem-estar, seja da paz-que-quero-ter-quando-morrer.

Se por um lado saber que vou morrer me acelera esta urgência do Hoje, por outro lado angustia-me com a previsão de um amanhã que desconheço. 

Faço birras de criança porque queria que as decisões fossem mais fáceis, mais preto ou branco, mais isto ou aquilo, mais como as lentes dopadas que eu uso e que me faziam crer que o mundo funcionava de forma binária. Mas não. Tenho vindo a descobri-lo num espetro de escolhas sarapintadas por cores num degradé que nem sequer é perfeito, tal como a vida, e ainda assim perfeito na sua imperfeição de ter tanto dentro de si invisível a alguns olhos.

Encontro-me com a leveza numa música que toca, um piano que acolhe por dentro esta dor-de-ser, esta tentativa de viver-para-além-da-dor-da-existência, nesta leveza que tanto me caracteriza e que leva pessoas a reagirem por perto, como o senhor que me mudou o contador de gás ontem, dizendo que "era preciso mais pessoas assim bem dispostas como a senhora, anda tudo tão para baixo", este mesmo senhor, que sendo mais velho que o meu pai, me dizia que não sabia escrever a palavra "dígito" e eu, com a humildade, cuidado e carinho que tenho pelo processo de ensino que me sustenta como pessoa, lhe soletrei letra por letra, num processo cuidadoso e amoroso de quem ajuda a elevar o outro, como só a minha alma me grita para fazer. Esses são os momentos em que não duvido, em que a convicção é tanta, que eu sei que só posso fazer isso. Isso e os momentos em que ajudo ocasionalmente desconhecidos a pagar as suas compras, pagando eu em cartão, porque naquela caixa não lhe era permitido o pagamento em dinheiro, ou indico onde está o caldo knorr mesmo não sendo empregada da loja... 

Nada disto me retira, tudo me acrescenta.

E aí não tenho dúvidas. Essa é a minha convicção. Mas e se eu não puder fazer disso um trabalho? Mas e se eu não encontrar esse(s) espaço(s) que me acolham e que seja(m) espaço(s) que não me acossem ou expulsem? 

E depois vem-me a frase da susceptibilidade que foi acompanhada por uma ainda melhor, e tão ou mais verdadeira do que a anterior: "Quando ressoas com o outro e com as suas necessidades de forma quase automática levas deles o melhor mas o pior também. E olha que vem muita merda."

Susceptível ou não a estas palavras, fiquei sem saber como poderia resolver este problema de ressonância, e com as minhas lentes preto-e-branco, tive o instinto de passar ao polo oposto de deixar de ajudar, ensinar, envolver-me com, dinamizar, provocar o outro, na esperança de não ser contaminada com o seu lodo, já que já tenho o meu a sobrar e por vezes a extravasar.

Mas rapidamente percebi que talvez seja algo que não posso mesmo abdicar, porque poucas foram as coisas que gritaram tanto por mim como esta de me envolver no outro na tentativa de uma fusão primordial com o lugar-de-onde-todos-viemos. Há mais metafísica nisto do que só caminho a percorrer. Talvez até um destino, ou um lugar-que-preciso-de-ocupar nesta nova vez que me fiz consciência. 

Como poderão perceber meus senhores, os meus serões de conversa com o meu pensamento são qual temática da revista TVMAIS ou TVGUIA.... De um cor-de-rosa místico à procura das verdades no seio das mentiras que diariamente todos contamos uns aos outros.

Em resumo, agora que tenho cada vez mais a consciência de que vou morrer, que não controlo quando acontecerá, que não sei como será, que hoje estou aqui e amanhã posso não estar, há coisas pelas quais não quero ter que voltar a compactuar, como ter que voltar a um trabalho-subsistência-que-me-mate-lentamente, ou relações desapaixonadas que me extingam a chama que me alumia nesta terra, ou dores e doenças que talvez consiga retardar com auto-cuidado e auto-amor. Quero muito viver perto de mim. Numa relação comigo. E essa relação só é possível se for curiosa, apaixonada e criativa. Enfim... 

O tumulto voltou ao meu peito. E aqui dançou ao som do Toy - "Toda a noite.... toda a noite..."

 

___

* Referências musicais abaixo:

 

 

12
Jul21

Sonhos que pressagiam

Humorosa

Dizem que os sonhos pressagiam o que Deus nos quer dizer.

Não o Deus de fora, mas o Deus de dentro.

Aquele que teimamos não escutar,

E que tentamos que se torne domesticado.

Esse Deus que veio connosco pela nossa mão, 

À procura de se auto-conhecer e revelar-se (a nós mesmos).

Hoje sonhei com a transgressão.

Acordei num suor seco, de uma cama quente que não tem jeito de me acolher,

Mas ali fiquei em reboliço, 

Na tentativa de me aperceber que o sonho não era real.

Estava bem fodida se fosse.

Era como se o meu subconsciente, esse Deus, me quisesse lembrar da minha forma rebelde de querer viver.

De me deixar arrebatar pelo Eros que se me afigura como o antídoto da Morte tão temida, e que bem, também ele apanhou covid e anda meio chocho.

É um eros sem E grande, num pardieiro que se autogere, que é como quem diz, onde se vive.

Mas acordei com a frase do Cântico negro nos dentes: "Eu amo o longe e a miragem..."

E uma sensação de que não me poderia continuar a trair, escolhendo aquilo que me mata lentamente.

Esta domesticação.

Porque é que me dizem sempre que por eu querer tanto, significa que eu não os aceito?

Quando na verdade essa questão me questiona exatamente a mim na mesma medida.

Porque é que não aceitam o meu "Longe e a miragem"?

Porque é que "é preciso que eu diminua"?

Porque é que não podem decidir aceder ao esforço de cultivar a terceira entidade que é o Nós, e aí regá-la a meio caminho entre o ser eu e ser ela?

Tenho falado do que preciso. Das necessidades que gostaria de ver supridas. Tenho-me frustrado. Tenho continuado e está tudo bem.

Não quero que o amor seja um negociar de um orçamento de Estado, mas também não quero um Estado que me obriga a condicionar as decisões por um suposto bem maior de se aceitar o que existe porque é tradição de se ser.

Porque eu sei que podemos ser sempre tanto mais...

11
Jul21

De onde venho afinal

Humorosa

Questiono-me diariamente numa busca incessante pelas minhas raízes.

Não pelas raízes familiares que essas conheço bem de perto, e por vezes, é com alguma dor que as sinto a quererem afundar-me na terra enquanto os meus braços se abrem ao céu aberto numa súplica, pedindo que não seja sugada.

Sentimentos de ambivalência acolhem-me nos últimos dias. 

Se por um lado os gémeos soltos que se (es)pasmam ao longo dos dias me dizem saber de onde vim,

E que esses gritos dados por eles, foram os gritos de uma criança que se quis expressar e não pôde,

Por outro lado há um amor maior dentro de mim que procura acolher aqueles gritos do corpo, como se ao acolhê-los pudesse acolher a criança pequena-ferida-perdida-de-si.

Olhar para o corpo que acolhe a alma e descobrir que só agora a alma pode ocupar o corpo não tem sido fácil.

É como devolver uma casa que nunca deveria ter sido ocupada por outro inquilino que não a da vontade do Eu superior. Esse que nunca tinha entendido de onde vinha, onde estava, e quem era, e que na verdade sempre me acompanhou em pensamentos, intuições e horas de puro contacto comigo ainda que no meio das vicissitudes das cidades e pessoas barulhentas...

Eu sempre estive lá para mim. Eu sempre soube o que Eu queria fazer. O que eu desejava. O que eu queria fazer. Só não esperava que as proibições de se-ser-assim me roubassem à vida e me entregassem ao medo da morte. Ser eu era perigoso. Ser eu era punível. Ser eu era consequência de dor. Ter voz era consequência de dor. Falar, pensar, conversar, ser poesia era morte anunciada numa espuma raivosa de ondas que se abatiam sem grande clemência.

Hoje voltar ao mar, mesmo que mais calmo, ainda me agonia. É duro ver-me no momento presente esquecendo tudo o que foi. E como eu gostava de perdoar... Era tão mais fácil. Tão mais fácil. Tão melhor... Tão quero tanto...

Mas o meu corpo não se esquece assim, ele fala-me e segreda-me baixinho, outras vezes bem alto, da dor beligerante que foi ser Eu. 

E eu quero fugir do passado. Quero pôr-lhe uma pedra em cima. Quero viver o meu Presente. Sim, porque eu cheguei cá. Houve momentos em que achei que não chegaria... 

MAS

EU ESTOU AQUI.

Quero viver! 

Quero poder finalmente deixar-me viver como Alma que se veio cumprir nesta derradeira senda de ser em relação com o outro. Em dar voz ao outro como eu quis que me dessem a mim. É como se quisesse corrigir o karma do que aconteceu comigo. E de uma forma visceral não consigo ficar indiferente aos que não têm voz, são maltratados, esquecidos, gozados, marginalizados. 

Não quero que sofram o que eu sofri. E não porque sou uma vítima. Mas porque eu percebi finalmente que toda a raiva que ainda existe guardada dentro de mim só revela que eu sabia que era injusto ser tratada assim, que eu tinha valor e que me estavam a ameaçar o valor que eu sabia que tinha. Eu sabia que tinha valor, eu nunca achei que a culpada era eu. Sempre achei que a culpa era de quem fazia e de quem assistia e compactuava, numa escolha que hoje tento ainda respeitar.

A minha revolta é a prova de que sei que tenho valor, de que sempre soube que o tinha, e agora resta-me, como último reduto, elevá-lo ao patamar da sua plenitude - vivendo através dele, e sabendo que se morrer, morri a tentar ser mais próxima de mim, a única meta de qualquer vida (para além de tantas outras coisas que quero fazer).

06
Jul21

Turbilhões

Humorosa

Pareço um cão a andar atrás da sua cauda.

Rodopio, rodopio, rodopio. É um êxtase ser assim, à procura de mim.

Mas nesse constante rodopio, paro, olho, e descubro o desafio que é ser-se assim.

Quanto mais mergulho e mais desço até ao fundo do poço,

Mais o cheiro a fundo, a lama e lodo me invadem as narinas,

O frio arrepia-me a pele,

Mas sei que tenho que continuar a descer.

Voltei ao poço iniciático.

Lá, sozinha, por minha vontade, desci.

Ainda estou a descer...

Agarro-me ao corrimão nas últimas escadas esperando ver rapidamente a luz do dia,

Mas percebo que só a vejo olhando para cima,

Para o patamar que deixei para trás.

E quando chego ao fim,

Olho para trás como sempre,

E penso como terei chegado ali apesar do medo.

Olhei em frente e apenas vi mais um túnel húmido,

Branco-amarelado e iluminado,

Que me guiou novamente ao jardim-pérola de Sintra.

E hoje? Que caminho Tomar?

(se a resposta lá estivesse, lá voltaria de novo, também sozinha).

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