Ambivalência
Escrevo neste momento para libertar a frustração, a angústia e todo o restante cocktail de me sentir a ficar para trás quando gostaria tanto mas tanto de seguir em frente.
Isto de querer tanto viver e de querer tanto fazer parte de algo mais, maior, de cumprir a minha vida (nem que seja só para não ter medo da morte), é uma faca de "dois legumes" (dois que não gosto já agora, pode ser nabo e pode ser couve de bruxelas) porque o meu tanto querer parece que acaba a matar a possibilidade de fazer as coisas com mais calma, mais serenidade. Estou constantemente a forçar-me a ir para a frente, naquele maravilhoso padrão familiar de "push through pain", de "mantém-te alerta", "don't go gentle into that good night".
Sinto-me ambivalente. Se por um lado sinto em mim todo um sentimento de "hopeless" por outro, ainda ontem ao ver o Titanic, me apercebi em como tenho uma enorme esperança em que os maus se redimam, e subitamente, on the verge de uma morte iminente, façam boas ações, ajudem outros ou simplesmente mudem de caráter. Sou uma esperançada em simultâneo portanto. E esta sensação ambivalente é a que eu tenho percebido que caracteriza a vida.
O meu dia de ontem foi uma sucessão de frustração-ação-de-compromisso-sucesso-frustração-ação-de-compromisso-sucesso que se fosse um gráfico seria nada mais nada menos que um eletrocardiograma de alguém a ver o Titanic.
(sim vou falar mais sobre o Titanic)
Nunca tinha visto o Titanic. Talvez por dentro não quisesse ver por saber de que tema se tratava e para desgraças já tenho a minha boa amiga Alice que me carrega por dentro com um blockbuster de filmes automáticos negativos que culminam sempre no apocalipse em cuecas. Ou talvez porque tivesse vergonha de chorar em frente ao meu namorado (coisa que por acaso senti quando as lágrimas começaram a rolar pela cara abaixo como se tivessem cortado mil cebolas a milímetros dos meus olhos), mas que assim que senti deixei de parte... chorei, babei e olha, melhor assim. Lembrei-me de mim em casa dos meus pais a ver filmes destes. Onde toda uma contenção acontecia e quem chorava era fraco ou sensívelzinho... Como se não se pudesse sentir. Ou talvez não se pudesse mesmo.
Tenho vinho a perceber muito da minha história, mas como boa solution-maker que sou queria já era saltar para a resolução final do processo e bora lá que eu quero muito viver, mas não quero andar aqui com merdas ao dependuro, ou com os meus incessantes espasmos nos gémeos que não consigo deixar de valorizar porque imaginem-se a sentir gremlins dentro de vocês a tentar sair-vos pelos gémeos. Se calhar não são gremlins pronto. Já sei que eu exagero. Mas migos, são minhoquinhas a querer encontrar saída pela minha pele que obviamente não confere uma saída de emergência para elas... Tava na altura de encontrarem outra casa. É só o que vos digo.
E depois o meu cérebro cinematográfico o que faz? Mais uma vez, um Titanic a afundar, de uns espasmos nos gémeos, faz deles um Adamastor que engole o Titanic ainda antes de ele se afundar em alto mar. E claro que a única safa da minha sanidade mental é pensar que eu sou a Rose e que eu vou superar esta adversidade, vou viver a minha vida até velhinha, continuando a pintar, e manter a boa disposição e leveza até ao momento em que, cumprindo-se a história lá eu me entregue também a nova forma de ser que desconheço e que por essa razão, de momento me aterroriza como o raio.
Procuro consolo nesta história mas há uma vozinha lá dentro que diz que tenho que aprender a ser mais realista. A ser mais consciente de que as histórias não acabam sempre bem, mas que pelo menos, o que persiste é sempre a sua beleza. E isso ninguém nos pode tirar. E isso, ainda bem que está feito e desenhado para os meus olhos verem. Porque quando vejo a vida, e experiencio este estado de consciência consigo e espero conseguir sempre deslumbrar-me com o que vejo, quer seja duro, feio, negativo ou seja suave, bonito e positivo.
A verdade é que ando a aprender a navegar nestas águas da ambivalência e gostava muito de não me afundar antes de tempo.
Essa é a verdade.